PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO PROCESSO TRT 1a T./RO 0000703-60.2014.5.08.0205 RECORRENTE: MARINEI DE SOUSA MILHOMEM Dr. Max Walaci Lobato de Sagres RECORRIDA: MARILENE DE ARAÚJO DO AMORIM Dr. Luis Eduardo Colares de Almeida RELATORA: DESEMBARGADORA SUZY ELIZABETH CAVALCANTE KOURY TÉRMINO DO VÍNCULO DE EMPREGO. INICIATIVA DO EMPREGADO. ÔNUS DA PROVA DO EMPREGADOR. É do empregador o ônus de provar a alegação de que a dispensa ocorreu por iniciativa do empregado, tendo em vista o princípio da continuidade da relação de emprego. Não tendo a reclamada se desincumbido desse ônus, deve ser reconhecida a dispensa imotivada da autora. Inteligência da Súmula n. 212 do C. TST. Recurso provido. 1 RELATÓRIO Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ordinário oriundos da MM. 4a Vara do Trabalho de Macapá, em que são partes as acima referidas. A MM. Vara de origem, na sentença de ID0fcdd6e, julgou a ação totalmente improcedente. Cominou custas pela reclamante, no valor de R$703,55, calculadas sobre o valor da causa, das quais a isentou. A reclamante interpõe o recurso ordinário de ID8a795c4, requerendo a reforma da sentença para que a ação seja julgada totalmente procedente. Notificada (ID a00e77d), a reclamada apresentou contrarrazões (ID aca9c83). Os autos não foram encaminhados ao Ministério Público do Trabalho, consoante o disposto no artigo 103 do Regimento Interno deste Regional. 2 FUNDAMENTOS 2.1 CONHECIMENTO Conheço do recurso da reclamante, porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade. Conheço das contrarrazões da reclamada, pois em ordem. 2.2 MÉRITO 2.2.1 DA NULIDADE DO PEDIDO DE DEMISSÃO Insurge-se a reclamante contra a decisão de 1° Grau que não reconheceu a nulidade do seu pedido de demissão e, consequentemente, indeferiu as verbas rescisórias requeridas. Na inicial, a reclamante alegou que trabalhara para a reclamada, no período de 05/03/1998 a 30/12/2013, na função de doméstica. Disse que fora obrigada a assinar um pedido de demissão, porém, não era a sua intenção rescindir o contrato. Requereu, pois, a conversão do pedido de demissão em dispensa sem justa causa. A reclamada, em contestação, disse que a reclamante pediu demissão para ir trabalhar com o seu marido, tendo anexado o documento de ID 445dd2d, impugnado pela reclamante. É cediço que é do empregador o ônus de provar a alegação de que a dispensa ocorreu por iniciativa do empregado, tendo em vista o princípio da continuidade da relação de emprego, consagrado na Súmula n° 212 do C. TST, razão pela qual passo a verificar se dele se desincumbiu. A reclamante disse: "que não residia na casa da reclamada; que pouco antes da sua saída da casa da reclamada, a depoente, de forma ocasional, comparecia na lanchonete de seu namorado para ajudá-lo; que seis meses antes de sua saída, depoente e reclamada tiveram uma desavença, não sabendo explicar o motivo; que depois desse fato continuou a trabalhar com a reclamada, embora esta mal dirigisse palavras à reclamante; que no mês de dezembro a reclamada pediu para que a depoente assinasse o documento referente a rescisão contratual, sendo que a depoente ainda chegou a perguntar se isso não lhe traria prejuízos; que diante da afirmativa da reclamada que os direitos seriam os mesmos, tanto se fosse dispensada ou se pedisse demissão, a depoente assinou o documento; que apenas a depoente e a reclamada estavam presentes na ocasião ; que recebeu apenas o salário do mês; (...) que a depoente já vinha observando mudanças no comportamento da reclamada para consigo; que a reclamada, por exemplo, dizia que a autora não sabia fazer mais nada; que na discussão acima mencionada, a reclamada chegou, inclusive, a avançar sobre a depoente; que a discussão foi presenciada por outras pessoas, entretanto, a testemunha trazida pela depoente não estaria presente; que todos os valores recebidos pela depoente eram emitidos recibos. (...)." (sic, ID 6ada3de, pp. 1 e 2). (negrito). A reclamada, em depoimento, declarou: "que a reclamante pediu demissão, sendo que a depoente acredita que isso se deu em virtude da autora ajudar o seu esposo em uma lanchonete; que pagou as verbas rescisórias conforme recibos anexados aos autos diretamente à reclamante; que nega ter havido qualquer desavença com a reclamante, sempre tendo mantido bom relacionamento com a mesma, durante os 15 anos que durou o pacto laboral; que a autora sempre teve sua ctps anotada; que pagava os salários da reclamante de forma quinzenal; que os descontos na rescisão referem-se aos descontos legais; que a testemunha da reclamante não trabalhava na casa da depoente, mas na empresa da depoente situada às proximidades. (...) que desconhece a existência da Delegacia do Trabalho em Santana; que a depoente preencheu o pedido de demissão conforme modelo constante na internet, tendo a reclamante apenas assinado tal documento; que o grau de escolaridade da reclamante era pouco; que chegou a ler, bem como, esclarecer à reclamante do teor do documento ." (sic, ID 6ada3de, p. 2) (negrito). A única testemunha arrolada pela reclamante, senhora LELINE MACIEL LIMA LEAL, afirmou: "que trabalhou na residência da reclamada de 2007 ao final de 2009; que a partir de então não mais trabalhou no local; que durante esse período chegou a trabalhar junto com a reclamante; (...) que chegou a presenciar a reclamante chorando e dizendo que não aguentava mais tais humilhações. (...) que não chegou a ajuizar ação judicial em face da reclamada por conta do acima alegado; que a depoente trabalhava como auxiliar de cozinha; que a reclamada era responsável por uma reserva ambiental; que não sabe precisar se essa era a única reserva ambiental no Amapá; que chegou a lanchar na lanchonete "lanche bem". ( sic , ID 6ada3de, p. 2). Em que pese a reclamada tenha juntado o pedido de demissão assinado pela reclamante, entendo que referido documento não comprova que pedira demissão, tendo em vista que a reclamante, desde a inicial, vem contestando a sua validade e a reclamada, em depoimento, confessou que o documento foi por ela confeccionado, bem como reconheceu que a autora possui um baixo grau de escolaridade, razão pela qual teve, inclusive, que ler e esclarecer o seu teor. Por outro lado, a reclamante, em depoimento, alegou que não tinha intenção de pedir demissão, ressaltando que fora obrigada a assinar o pedido. A reclamada não se desincumbiu do ônus de provar a veracidade de suas alegações, sequer tendo arrolado testemunhas. Em assim sendo, dou provimento ao recurso da reclamante para, reformando a sentença de 1° Grau, declarar a nulidade do pedido de demissão e reconhecer a rescisão sem justa causa, e, por consequência, deferir-lhe as parcelas de aviso prévio e férias + 1/3, nos termos da inicial. Indefiro o pedido de reflexos no FGTS e a indenização pelo não- fornecimento das guias de seguro-desemprego, por ser a reclamante doméstica, não havendo comprovação nos autos de que a reclamada recolhia o FGTS, o que não é obrigatório, tendo em vista que a Emenda Constitucional n° 72/2013 ainda não foi regulamentada. 2.2.2 DA HORA INTRAJORNADA A reclamante requer a reforma da decisão de 1° Grau para que sejam deferidas as horas intrajornada, alegando que não havia a sua concessão. Na inicial, a reclamante mencionou que não usufruíra do intervalo intrajornada mínimo de 1 (uma) hora, conforme estabelecido no artigo 71 da CLT, requerendo o pagamento de 1 (uma) hora extra, por cada dia laborado, com acréscimo de 50%, totalizando 25:68 horas intrajornada mensais. Ao contestar, a reclamada afirmou que era concedido o intervalo intrajornada e juntou os cartões de ponto de ID 3c63815. Há de se ressaltar que, no que tange à questão da distribuição processual do encargo probatório, não há qualquer dúvida quanto ao fato de que, na forma do disposto nos artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do CPC, seria da reclamante o ônus da prova de fato constitutivo de direito seu, assim considerado o capaz de produzir o direito pleiteado em juízo. Entretanto, a reclamada, ao alegar que a reclamante usufruía de 1 (uma) hora de intervalo intrajornada, atraiu o ônus de comprovar o fato, nos termos dos mencionados dispositivos legais, passando-se a verificar se dele se desincumbiu. Em que pese tenha juntado os cartões de ponto, eles não podem ser considerados válidos, por serem invariáveis, aplicando-se a Súmula n. 338 do C. TST. Por outro lado, a reclamada não trouxe provas testemunhais, a fim de confirmar a sua tese e elidir a presunção de veracidade da alegação da autora. Assim, reconheço que não havia a concessão de intervalo intrajornada. Desta forma, dou parcial provimento ao recurso da reclamante para deferir as horas intervalares pleiteadas, com adicional de 50% e reflexos no aviso prévio, 13° salário, repouso semanal remunerado e férias + 1/3. 2.2.3 DO REPOUSO SEMANAL REMUNERADO A reclamante requer a reforma da decisão de 1° Grau para que seja deferido o repouso semanal remunerado. Na inicial, disse a autora que trabalhava em 2 (dois) domingos por mês, sem receber o pagamento respectivo. Adoto os argumentos constantes no item 2.2.2 e defiro à reclamante 2 (dois) dias de repouso semanal remunerado, por mês, com reflexos no aviso prévio, no 13° salário e nas férias + 1/3. 2.2.4 DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS A reclamante pugna pela reforma do julgado em relação à indenização por danos morais, alegando que restaram comprovadas a suas alegações. Na petição inicial, a autora afirmou que, por ser pessoa simples, analfabeta, a reclamada não tinha paciência de lhe explicar o serviço e, muitas vezes, chamava-a de burra, dizendo que não entendia nada e que só fazia coisas erradas. Requer, pois, a condenação dela ao pagamento de indenização por danos morais na importância de R$20.000,00 (vinte mil reais). Ao contestar, a reclamada refutou as alegações da reclamante, dizendo que a convivência com ela sempre fora cordial. Após discorrer sobre a matéria, requereu a improcedência do pedido. Após o advento da Constituição Federal de 1988, tornou-se pacífica a possibilidade de o empregado pleitear indenização por danos morais e materiais decorrentes da violação de sua intimidade, de sua vida privada, de sua honra e de sua imagem pelo empregador, nos termos do inciso X do artigo 5° da Carta Constitucional. Já está sedimentado na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade do empregador perante seus empregados segue a regra da responsabilidade civil subjetiva, estabelecida nos artigos 186 e 187, combinados com o artigo 927 do CCB, fundando-se, portanto, na existência de dolo ou culpa. Assim, o elemento subjetivo apresenta-se, sempre, como indispensável, cabendo à vítima o ônus de comprová-lo adequadamente para ter sua pretensão acolhida em juízo, já que não se trata de responsabilidade objetiva. Destarte, para obter êxito na pretensão de ressarcimento por dano moral, o obreiro precisa comprovar a presença dos pressupostos essenciais e delineadores da responsabilidade civil aquiliana, quais sejam: o dano por ele efetivamente suportado, a culpa do empregador e o nexo de causalidade entre o evento danoso e o ato culposo, havendo de se perquirir se o reclamante se desincumbira do ônus que lhe competia. In casu, o pedido de indenização por dano moral embasa-se no acima relatado, passando-se, então, a verificar se a reclamante se desincumbira do ônus a que estava obrigada. Ao depor, a reclamante disse: "(...) depoente e reclamada tiveram uma desavença, não sabendo explicar o motivo; que depois desse fato continuou a trabalhar com a reclamada, embora esta mal dirigisse palavras à reclamante; (...) que não houve testemunha da discussão acima mencionada; que a depoente já vinha observando mudanças no comportamento da reclamada para consigo; que a reclamada, por exemplo, dizia que a autora não sabia fazer mais nada; que na discussão acima mencionada, a reclamada chegou, inclusive, a avançar sobre a depoente; que a discussão foi presenciada por outras pessoas, entretanto, a testemunha trazida pela depoente não estaria presente;(...)." (sic, ID 6ada3de, p. 1 e 2). A reclamada, em depoimento, declarou: "(...) que nega ter havido qualquer desavença com a reclamante, sempre tendo mantido bom relacionamento com a mesma, durante os 15 anos que durou o pacto laboral;(...)" ( sic , ID 6ada3de, p. 2). A única testemunha arrolada pela reclamante, senhora LELINE MACIEL LIMA LEAL, afirmou: "que trabalhou na residencia da reclamada de 2007 ao final de 2009; que a partir de então não mais trabalhou no local; que durante esse período chegou a trabalhar junto com a reclamante; que chegou a presenciar a reclamada descarregar seu estresse nos seus funcionários, chamando-os de incompetentes e burros ; que tal fato ocorreu com a reclamante; que a reclamada chegou a colocar o dedo em riste para a depoente(...) que chegou a presenciar a reclamante chorando e dizendo que não aguentava mais tais humilhações. (...)". ( sic , ID 6ada3de, p. 2) (negrito). A única testemunha arrolada pela reclamante confirmou as suas alegações de que era prática usual da reclamada a de tratar mal as pessoas que trabalham em sua residência e, embora não tenha presenciado a discussão à que a reclamante se refere, presenciara suas atitudes com outros empregados, por já ter laborado para ela. Desta forma, não há dúvidas acerca do evento danoso, razão pela qual entendo provado o nexo causal entre o dano moral sofrido pelo reclamante e a culpa do empregador, o que lhe gerou abalo, estando reunidos todos os elementos necessários para configurar a responsabilidade civil. Assim, tendo a reclamante conseguido comprovar o evento danoso, a culpa da reclamada e o dano moral que resultou do episódio, além do nexo causal entre um e outro elemento, faz jus à indenização correspondente. Quanto ao valor da indenização, é pacífico que a sua fixação não observa regra legal, ficando ao arbítrio do juiz, que deve, no entanto, levar em conta as circunstâncias fáticas e as atenuantes e agravantes existentes nos autos. O valor do dano não deve ser tão grande que proporcione o enriquecimento ilícito da parte. Por outro lado, não pode ser tão pequeno que importe em seu empobrecimento. Levando em consideração esse juízo de equidade, o valor da indenização deve ser fixado de forma que tenha efeito pedagógico, para que a reclamada não cometa, novamente, práticas como as constatadas neste processo, reavaliando a sua conduta patronal. Por outro lado, também deve ser um valor que não provoque o en