ACÓRDÃO - TRT 17a Região - 0166000-50.2012.5.17.0008 RECURSO ORDINÁRIO Recorrentes: C&A MODAS LTDA. DEISIMARA DE OLIVEIRA BRAZ "ADESIVO" Recorridos: DEISIMARA DE OLIVEIRA BRAZ C&A MODAS LTDA. Origem: 8a VARA DO TRABALHO DE VITÓRIA - ES Relator: DESEMBARGADOR JOSÉ LUIZ SERAFINI EMENTA JORNADA DE TRABALHO. PROVA ORAL. INVALIDADE DOS CONTROLES DE FREQUÊNCIA. Se a prova oral produzida demonstra que o empregado cumpria jornada de trabalho distinta daquela indicada nos cartões de ponto, então consideram-se inválidos os horários de trabalho consignados nesses documentos, apurando-se a real jornada laboral com base na prova testemunhal. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de RECURSO ORDINÁRIO, sendo partes as acima citadas. RELATÓRIO Trata-se de recurso ordinário e adesivo, interpostos, respectivamente pelo reclamado e reclamante, em face da r. sentença de fls. 739/742, complementada pela decisão de embargos declaratórios de fls. 485/490, oriunda da 8a Vara do Trabalho de Vitória/ES, da lavra do eminente magistrado Ney Álvares Pimenta Filho, que julgou procedentes em parte os pleitos contidos na reclamação trabalhista. Razões recursais do reclamado às fls. 494/496v.. Comprovantes do recolhimento das custas e do depósito recursal às fls. 497/497v. Razões recursais da reclamante às fls. 509/512. Contrarrazões do reclamante às fls. 501v./503. Contrarrazões da reclamada às fls. 525v./528v. Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, a teor do artigo 92 do Regimento Interno deste Tribunal. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DO CONHECIMENTO Conheço do recurso ordinário da reclamada e do adesivo da reclamante, pois preenchidos os pressupostos de admissibilidade. 2.2 DO MÉRITO 2.2.1 RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA DAS HORAS EXTRAS A recorrente se insurge contra a r. sentença recorrida que deferiu horas extras à reclamante com base na jornada indicada na inicial, por entender o Juízo a quo que a prova oral produzida teria comprovado as alegações obreiras, no particular. Argumenta que o depoimento pessoal da reclamante contradiz os horários de trabalho indicados na inicial, devendo, assim, prevalecer a jornada de trabalho consignada nos cartões de ponto juntados aos autos. Afirma que os controles de frequência devem ser considerados válidos, pois os horários ali anotados correspondem à realidade laboral da autora, além de que a reclamante não produziu prova robusta de fraude em referidos documentos. Vejamos. A reclamante alegou, na inicial, que trabalhava todos os dias das 10h às 23h, mas que era obrigada a fazer o registro, nos cartões de ponto, do horário de entrada às 14:00h, e do horário de saída, às 22h. Afirmou, ainda, que a partir de abril de 2010 até sua dispensa, quando foi transferida para a loja do Shopping Praia da Costa, começava a trabalhar às 14:00h e saía às 23:00h, com uma hora de intervalo para refeição. Alegou, também, que nos meses de dezembro, em dias próximos ao natal e ano novo, encerrava suas atividades às 3:00h da manhã do dia seguinte, quando fazia a reposição de mercadorias e arrumava as roupas na loja. A reclamada negou os fatos narrados na inicial, aduzindo que os horários trabalhados são exatamente aqueles descritos nos controles de frequência, de segunda a sábado. Disse, ainda, que não havia elastecimento da jornada em dias festivos por mais de duas horas diárias, que eram, devidamente, pagas. Quanto ao labor aos domingos, diz que fazia o pagamento do adicional tal como previsto em norma coletiva. Aduz, também, que há, no âmbito da empresa, a adoção do sistema de compensação de jornadas, autorizada por acordo firmado com a reclamante. Inicialmente, diga-se que não podem ser validados os controles de frequência juntados aos autos, tendo em vista que a prova oral demonstra jornada de trabalho distinta daquela consignada em referidos documentos. Vale lembrar que o direito do trabalho confere maior credibilidade à realidade que se extrai dos fatos em detrimento daquela que decorre de informações contidas em documentos juntados aos autos. Com efeito, veja-se, a título de exemplo, que apesar de constar nos controles de frequência que a reclamante, na maioria dos dias, iniciava seu labor após 10h da manhã, a prova oral demonstrou que, na verdade, a reclamante, pelo menos, em parte da semana, chegava nesse horário. Nesse sentido, basta observar que as testemunhas trazidas pela autora afirmaram que ao chegarem ao trabalho, por volta das 10:00h, já encontravam a reclamante trabalhando. Além disso, a prova testemunhal também comprovou a alegação, trazida na inicial, no sentido de que os empregados eram obrigados, muitas vezes, a somente fazerem o registro inicial da jornada após passado algum tempo de efetivo labor. Quanto à jornada de trabalho da reclamante, a prova oral produzida, de fato, evidenciou que, apesar de a autora fazer horas extras, tal não se dava na frequência alegada na exordial. Com efeito, em seu depoimento pessoal, a reclamante admitiu que, à exceção dos dias de maior movimento, tais como os de datas festivas, costumava, entre segunda a quarta-feira, iniciar sua jornada de trabalho às 14:00h, encerrando-a por volta das 23:00h, sendo que entre quinta a sábado, trabalhava das 10:00h às 23:00h e domingos, das 12:00h às 22:00h. Disse, ainda, que tinha uma folga semanal, que coincidia com o domingo, em média, uma vez por mês. Além disso, também afirmou que em dias de dezembro, era comum, durante alguns dias da semana, trabalharem até bem mais tarde, ou seja, até 2:00h da manhã do dia seguinte. Observa-se, então, que ao contrário do que narrado na inicial, a reclamante não trabalhava todos os dias no horário das 10:00h às 23:00h. Com relação ao restante da semana, ou seja, de quinta-feira a sábado, a prova oral demonstra que, realmente, a reclamante trabalhava das 10:00h às 23:00h, pois a maioria das testemunhas ouvidas admitiram que era comum encontrarem a reclamante já trabalhando por volta das 10:00h e que também, ao saírem, às 22:00h, a autora continuava na empresa, até por que, na função de caixa, havia, ao final do expediente, necessidade de observar alguns procedimentos para finalização de seu trabalho diário. Nos dias de datas comemorativas e feriados (dia das mães, dia dos pais, dia dos namorados, páscoa, dia das crianças), a demandante também iniciava o labor mais cedo, às 10:00h da manhã, saindo às 23:00h. Com relação aos domingos, a prova colhida nos autos demonstrou a regularidade da concessão de folga à reclamante, em tais dias, pelo menos, 1 vez por mês, e além disso, quando havia trabalho nesses dias, a reclamante usufruía de folga compensatória. E quando havia labor em tais dias, ele se dava das 13:00h às 22:00h. A prova oral também demonstrou que havia mesmo a obrigatoriedade de alguns empregados, como a reclamante, estenderem sua jornada de trabalho, em alguns dias, para fins de reposição de mercadorias e arrumação das roupas na área de sua atuação. Entretanto, a própria reclamante disse, em seu depoimento pessoal, que em tais dias, o horário de saída era às 2:00h e não, 3:00h, como alegado na exordial. Assim, considera-se que nos meses de dezembro, numa média de dois dias por cada um desses meses (pois a reclamante disse que isso se dava apenas nos dias próximos ao natal e ano novo, e em seu depoimento pessoal, afirmou que era, apenas, no finais de semana, de sexta para sábado), a reclamante trabalhava das 10:00h às 2:00h do dia seguinte. Deve ser observado, ainda, que a reclamante admite que a partir de abril de 2010, com sua transferência para outra loja, passou a trabalhar de 14:00h às 23h, em todos os dias, exceto naqueles dois dias de cada mês de dezembro, quando iniciava seu labor às 10:00h de um dia e somente terminava a jornada às 2:00h do dia seguinte. Deve ser ressaltado que apesar de o reclamado alegar que vigia, na empresa, um sistema de compensação de horários, não prova que as horas extras trabalhadas pela reclamante fossem, de fato, compensadas, até mesmo porque as testemunhas ouvidas disseram que não compensavam as horas extras trabalhadas. Importa também salientar que, apesar de constar dos recibos de pagamento, várias horas extras pagas, entende-se que a reclamada não comprovou o regular pagamento da verba, tendo em vista que, em sua defesa, nega a jornada de trabalho indicada na inicial, dizendo que a reclamante somente fazia, e apenas em alguns dias, no máximo duas horas extras diárias, o que vai de encontro com a prova testemunhal colhida nos autos. Assim, dou provimento parcial ao recurso apenas para definir nova jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras devidas à reclamante: No período desde a admissão até março de 2010, de segunda a quarta-feira, em dias normais, das 14:00h às 23:00h e das quintas aos sábados, das 10:00h às 23:00h; nos dias festivos (dia das mães, dia dos pais, dia dos namorados, páscoa, dia das crianças), também das 10:00h às 23:00h; e por dois dias em cada mês de dezembro, das 10:00h às 2:00h do dia seguinte; havia sempre uma folga semanal; quando havia labor aos domingos (que se dava numa média de um para cada mês), o horário de trabalho era das 13:00h às 22:00h. A partir de abril de 2010, passou a trabalhar de 14:00h às 23:00h, em todos os dias (lembrando que também havia uma folga semanal), exceto naqueles dois dias de cada mês de dezembro, em que a jornada de trabalho iniciava-se às 10:00h de um dia e encerrava-se às 2:00h, do dia seguinte. Autorizada a dedução das horas extras já pagas. Mantidas os demais termos da r. sentença, no particular. DO INTERVALOINTRAJORNADA O recorrente alega que a reclamante usufruía do intervalo de 1h para repouso e alimentação. Argumenta, ainda, que caso mantida a condenação ao pagamento de horas extras, no aspecto, que seja determinado o pagamento, apenas, do tempo não usufruído e também que o adicional a ser utilizado seja o de 50%. A Primeira Turma decidiu, por maioria, vencido o Desembargador- Relator José Luiz Serafini, negar provimento ao apelo, nos termos do voto do Desembargador Gerson Fernando da Sylveira Novais, que assim dispõe: "INTERVALO INTRAJORNADA Insurge-se a reclamada contra a r. sentença que deferiu o pagamento do intervalo intrajornada, por ter ficado comprovado nos autos que a reclamante não gozava do intervalo mínimo de uma hora para repouso e refeição. Razão não lhe assiste. Entendo que a inobservância dos intervalos intrajornada consagrados pela OIT em inúmeras recomendações é potencialmente causadora de danos à saúde do trabalhador. Em razão disso, caminho na linha do entendimento consubstanciado na Súmula n° 437, II do TST, in verbis: “INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais n°s 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI- 1) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 II - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7°, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.” Com efeito, mesmo nas escalas anuídas em normas coletivas de trabalho, tal qual a escala 12x36, não pode o empregado permanecer sem qualquer repouso intrajornada, porquanto constitui o artigo 71 da CLT norma de ordem pública que, diversamente do que ocorre com a jornada de trabalho, não pode ser derrogada por norma convencional. Referido preceito visa, como o repouso hebdomadário, preservar a saúde do trabalhador, permitindo-lhe fazer refeições e ter um descanso digestivo, entre a alimentação e o retorno ao labor. É um direito irrenunciável do trabalhador. É ilegal, portanto, a cláusula coletiva autorizadora de supressão ou redução do intervalo para alimentação e repouso (intrajornada), na medida em que transige com direito irrenunciável do trabalhador. Assim, nego provimento." Negado provimento. REFLEXOS DAS HORAS EXTRAS SOBRE O RSR A reclamada entende que não são devidos reflexos das horas extras deferidas sobre o repouso semanal remunerado, sob o argumento de que geram reflexos sobre reflexos, já que o pagamento do salário já compreende a remuneração de tais repousos. As horas extras habitualmente prestadas repercutem no cálculo do RSR (Súmula 172, TST). Além disso, não houve determinação de duplo reflexo de horas extras sobre o RSR, de forma a que esse, já enriquecido com horas extras, incidisse, novamente, em outras verbas trabalhistas. Nego provimento. DOS DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS- Análise conjunta dos recursos do reclamado e do reclamante. Ressalvado o entendimento deste Relator no sentido de que os descontos previdenciários referentes à cota parte do reclamante não se limitam ao valor histórico, aplica-se a Súmula n° 17 deste Egrégio Regional, in verbis. Contribuição previdenciária. No tocante às contribuições previdenciárias decorrentes de créditos reconhecidos em sentença, nos termos do art. 20 da Lei 8.212/91, deve o reclamante arcar somente com o pagamento da contribuição previdenciária em seus valores históricos, ficando a cargo da empresa o pagamento de juros, atualização monetária e multas. (grifo nosso) Nego provimento. DO RECUSO ADESIVO DA RECLAMANTE DANOS MORAIS A reclamante reitera seu pleito de condenação da reclamada ao pagamento de uma indenização por danos morais com base na alegação de que a empresa teria fornecido a seus empregados comida com cheiro ruim e gosto de azedo, o que lhe teria, por várias vezes, causado mal estar, sendo que teve até, em certa ocasião, que ser dispensada em razão dos problemas de saúde causados pelo alimento estragado. Nesse sentido, disse que chegou até a ser socorrida para um hospital em determinado dia de serviço, em razão da ingestão daqueles alimentos. Entende que a situação vivida caracteriza dano de natureza moral, até mesmo em razão da omissão do empregador em zelar pela saúde de seus empregados. A r. sentença deve ser mantida, porém. É que o relato da inicial, no sentido de que os alimentos fornecidos eram de baixa qualidade, com gosto de azedo e mau cheiro não foi, devidamente, comprovado nos autos. É certo que as testemunhas da reclamante afirmaram que ouviam relatos de colegas sobre a qualidade dos alimentos fornecidos pela empresa. Ocorre, porém, que os relatos feitos por referidas depoentes não convencem este Relator acerca do fornecimento de alimentos estragados pela empresa ré. Veja-se que a maior parte das testemunhas sequer declaram terem tido algum mal estar em razão da ingestão de alimentos fornecidos pela empresa, sendo que nem mesmo o alegado mau cheiro nos alimentos ficou comprovado, já que foi dito, apenas, que após as refeições alguns empregados (poucos, na verdade) queixavam-se de mal estar, sem que se pudesse,