CUSTUS LEGIS * Ministério Público do Trabalho da 6a Região * PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO PROC. N° TRT - (RO) - 0000222-54.2014.5.06.0011. ÓRGÃO JULGADOR : PRIMEIRA TURMA. RELATORA : DESEMBARGADORA MARIA DO SOCORRO SILVA EMERENCIANO. RECORRENTE : ELIETE LOURENÇO DA SILVA. RECORRIDO : MUNICÍPIO DO RECIFE. ADVOGADOS : DILMA PESSOA DA SILVA e CHARBEL ELIAS MAROUN. PROCEDÊNCIA : 11a VARA DO TRABALHO DE RECIFE/PE. EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E DO TRABALHO. REMESSA EX OFFICIO E RECURSO VOLUNTÁRIO DO MUNICÍPIO. ENTE PÚBLICO. TRANSMUDAÇÃO DE REGIME. CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. NULIDADE. EFEITOS. A transmudação de regime do celetista para o estatutário empreendida pela municipalidade, após a Constituição de 1988, sem que a autora tenha sido previamente aprovada em concurso público, é flagrantemente inconstitucional. Desta feita, de se declarar sua nulidade, sendo, teoricamente, devidos à querelante os depósitos atinentes ao FGTS, cuja efetivação não se visualiza nos autos. Remessa necessária e recurso voluntário providos. RELATÓRIO. Vistos etc. Trata-se de Remessa Ex Offício e Recurso Ordinário interposto por ELIETE LOURENÇO DA SILVA contra a decisão proferida pelo MM. Juízo da 11a Vara do Trabalho de Recife/PE, que EXTINGUIU SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, a Reclamação Trabalhista proposta pela recorrente em face do MUNICÍPIO DO RECIFE , ora recorrido, nos termos da fundamentação que instrui o feito (Id. b0c9cde) . Em seu arrazoado (Id. dbebe94), a recorrente se insurge contra a decisão proferida pelo MM. Juízo de primeiro grau, alegando que não foi apresentado, em nenhum momento, argumento técnico- jurídico pertinente a fundamentar sua decisão. Aduz que a tese defendida na exordial é de clareza solar e vem sendo acolhida neste E. TRT e também no TST, não se tratando de "esperteza" ou conduta "antiética", mas simplesmente da busca de um direito que foi indevidamente negado à autora desde sua suposta conversão ao regime estatutário. Assegura que tendo a sido contratada antes do advento da atual Constituição, absolutamente nula sua conversão para o regime estatutário de forma automática, pela Lei Municipal de n° 15.335/90, uma vez que foi contratada sob regime celetista e deveria permanecer neste. Assevera que o Juízo a quo, no entanto, ignorando a jurisprudência consolidada a respeito, e o caráter vinculante da decisão do STF, simplesmente indeferiu o pleito de pagamento do FGTS, utilizando-se de argumentos insustentáveis. Garante que o MM Juiz usa como argumento o fato de que a autora foi beneficiada pela sua conversão ao regime estatutário e que somente agora, mais de vinte anos depois, é que resolveu impugnar o ato da sua conversão. Acentua que o MM. Juízo de primeiro grau partiu de pressupostos absolutamente equivocados. Assevera que a reclamante não é bacharela em direito e mesmo que fosse, não tinha a obrigação de saber que sua conversão ao regime estatutário foi nula. Garante, ainda, que segundo, o art. 19 do ADCT é garantida a estabilidade aos servidores celetistas admitidos antes do Constituição atual, não havendo que se falar em privilégio obtido pela reclamante quando de sua conversão automática ao regime estatutário. Ressalta que o Município de Recife, inadimplente que estava à época quanto ao recolhimento dos depósitos fundiários de seus funcionários celetistas, para se livrar deste encargo, numa verdadeira manobra, resolveu, de forma unilateral, transformá-los em estatutários, o que é vedado, como já demonstrado pelas jurisprudências do STF, de caráter vinculante, e do TST. Enaltece que as considerações tecidas pelo juízo a quo, com todo o respeito, revelam que o mesmo julgou a causa por equidade simplesmente, pelo que se requer a reforma plena do julgado, condenando-se o Município do Recife ao pagamento de todo o saldo do FGTS devido. As contrarrazões foram apresentadas pelo Município conforme Id. c7d81b1. Parecer do Ministério Público (Id. 034772b) da lavra do Procurador Regional do Trabalho, Dr. Waldir de Andrade Bitu Filho, opinando pelo conhecimento do recurso ordinário interposto e, no mérito, pelo seu provimento, nos termos e limites daquele parecer. É o relatório. VOTO: DA ADMISSIBILIDADE: Conheço do recurso interposto por observadas as formalidades legais. De igual modo, conheço das contrarrazões, eis que regularmente apresentadas. Do reexame necessário, previsto no artigo 475 do CPC: Ex vi das disposições do artigo 475 do Código de Processo Civil, conheço da remessa necessária, tendo presente a existência de decisão prolatada em sentido contrário aos interesses do Município de Paulista. Para, além disso, está-se perante matéria de conteúdo constitucional, de modo que se revela impositivo o reexame da sentença a partir da condenação no pagamento dos títulos deferidos na decisão Id. b0c9cde, ante o valor incerto da condenação. (§ 2°, art. 475, CPC, acrescido pela Lei 10.352/01, de aplicação subsidiária ao processo trabalhista, ex vi art. 769 da CLT). Consequentemente, a decisão ora em análise se sujeita ao duplo grau de jurisdição. DO MÉRITO: Apenas a título de esclarecimento saliento que o presente feito não envolve contratação temporária, o que deslocaria a competência para a Justiça Comum, pois assim decidido pelo Superior Tribunal Federal. À proemial (Id. 1767660 - Pág. 2) , a reclamante disse que foi contratada pela reclamada, como celetista, em 27.04.1982, na função de Técnico Administrativo, percebendo como seu último salário R$ 1.231,54 (Hum mil, duzentos e trinta e um reais e cinqüenta e quatro centavos), ressaltando que o Município demandado não depositou corretamente o FGTS da parte reclamante durante o labor, razão pelo qual é apresentada a presente reclamação trabalhista para o fim de que se pague todo o saldo do FGTS devido e que sejam efetuados os depósitos futuros. O Município, por seu turno, em contestação (Id. 2647262) , afirma que o pedido da autora não tem proteção legal, pois foi contratada na qualidade de celetista, passando a ser estável, sendo enquadrada ao novo regime jurídico, obtendo as vantagens da Lei Municipal n° 15.335/90 (Id. 2647262 - Pág. 7) , por força da mudança de regime, não fazendo parte efetiva do quadro permanente de funcionários, eis que não se submeteu a aprovação de concurso público. O Juízo a quo declarou (Id. b0c9cde) "que a reclamante mantém relação estatutária com o reclamado. Assim sendo, a Justiça do Trabalho não tem competência para processar e julgar a presente reclamatória, nos termos da liminar do STF (ADIN 3.395-6)." Em razão de tais argumentos, destaco serem imperiosas algumas considerações, o que faço a seguir. É incontroverso nos autos que a reclamante foi contratada sob o regime celetista, sem concurso público, sob a égide da Constituição Federal de 1967 e emendas subsequentes que, em seu artigo 97, § 1°, exigia a aprovação prévia em concurso público apenas para investidura em cargo público, diferentemente da atual Constituição Federal (1988), que exige a aprovação prévia em concurso público, tanto para a investidura em cargo público, quanto para o emprego público, ressalvadas as hipóteses previstas na própria Carta. Nesse viés, as Leis mencionadas pelo demandado não podem, pura e simplesmente, submeter o regime estatutário a todos os empregados celetistas, indistintamente, mas, somente àqueles concursados na forma prevista na CF/88, não havendo nos autos prova de que a reclamante tenha se submetido a concurso público. Frise-se que o art. 19 do ADCT não admite a transformação de servidores celetistas em estatutários, visto que depende esta tipificação do salutar concurso público, tanto que o § 1°, daquele artigo concede apenas o título a estes servidores estáveis quando se submeterem ao certame para suas efetivações como estatutários. A doutrina abalizada vem, desde há muito tempo, declarando que a transmudação de regime celetista para o estatutário deve ser precedida do obrigatório concurso público, como demonstram as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (in Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos na Constituição de 1988; ed. Lumen Juris; 1a edição, 1990, pág. 55), verbis: "a opção de conversão de vínculos ao novo regime estatutário único exige que o servidor haja ingressado por concurso no serviço público. Só assim poderão ser investidos em cargos públicos (art. 37, II). (...) a opção de conversão de vínculos só existe, portanto, para o tratamento de servidores concursados, uma vez que para os não concursados, mesmo que estáveis no serviço público ou estabilizados extraordinariamente, pelo art. 19, ADCT, só cabe a manutenção de quadros em extinção, podendo, no máximo, as leis de conversão estabilizar antigos servidores temporários em empregos públicos." Por certo que, no art. 19, do ADCT, cria-se uma estabilidade excepcional, abrangendo unicamente os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Carta Magna, há pelos menos cinco anos continuados, considerando-os estáveis. Dessarte, visualiza-se que a norma em comento não se aplica à autora, de modo que a transmudação do regime empreendida pela municipalidade afigura-se inconstitucional. Acerca da temática, já decidiu o Excelso Pretório, consoante o julgado abaixo ementado: "A exigência de concurso público para a investidura em cargo garante o respeito a vários princípios constitucionais de direito administrativo, entre eles, o da impessoalidade e o da isonomia. O constituinte, todavia, inseriu no art. 19 do ADCT norma transitória criando uma estabilidade excepcional para servidores não concursados da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que, quando da promulgação da CF, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público. A jurisprudência desta Corte tem considerado inconstitucionais normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso público para o ingresso no serviço público já estabelecida no ADCT federal. Precedentes: ADI 498, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 9-8-1996), e ADI 208, Rel. Min. Moreira Alves (DJ de 19-12-2002), entre outros." (ADI 100, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-9-2004, Plenário, DJ de 1°-10-2004)." Com efeito, se a Constituição Federal quisesse teria dito que todos os empregos públicos seriam convertidos em cargos públicos e, consequentemente, todos os empregados celetistas passariam a ser regidos pelo regime único que seria oportunamente adotado pela Administração Pública. Entretanto, não foi isso que a Carta Política de 1988 estipulou ao determinar, em seu art. 24 do ADCT, que: "União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editarão leis que estabeleçam critérios para a compatibilização de seus quadros de pessoal ao disposto no art. 39 da Constituição e à reforma administrativa dela decorrente, no prazo de dezoito meses, contados da sua promulgação." Celso Antônio Bandeira de Mello, ao comentar o "Regime Jurídico Único e os Celetistas" na conceituada "Revista de Direito Público" (editora Revista dos Tribunais, 1991; a. 25, n. 99 jun/set-1991, páginas 5-13), conclui ser aberrante a inconstitucionalidade do art. 243 da Lei Federal n. 8.112/90, que instituiu o regime jurídico único dos servidores públicos civis da União e submeteu a tal regime os anteriores empregados, transformando-lhes os empregos em cargos, até mesmo sem fazer acepção entre estabilizados pela Constituição e não estabilizados, concursados publicamente e não- concursados, admitidos antes ou depois do advento da Lei Magna. Discorrendo sobre a situação dos empregados celetistas e da impossibilidade pura e simples da conversão de regimes, afirma o eminente mestre: "(...) os sujeitos que entretêm vínculos trabalhistas com o Poder Público ou com entidades deles auxiliares, tais as autarquias e fundações públicas, têm direito adquirido à mantença do regime contratual que lhes corresponde. Seria errôneo imaginar que o Poder Público esteja liberado para, mediante lei, efetuar compulsoriamente a alteração do regime de trabalho dos celetistas, integrando-os em um regime estatutário, com base no art. 39 da Lei Magna e no princípio - corretíssimo, aliás - de que não há direito adquirido contra a Constituição. Efetivamente, não há direito adquirido contra a Constituição. Ou seja, a Constituição prevalece contra direitos adquiridos. Estes ficam aniquilados se forem, deveras, incompatíveis com o novo regramento. O princípio lógico aplicável é o mesmo das revogações. Os conflitos intertemporais entre normas resolvem-se pela prevalência da regra posterior sobre a anterior, quando são ambas do mesmo nível ou quando a posterior é de escalão mais elevado. Para dizer-se ocorrente a supressão de direitos adquiridos ante a superveniência de norma constitucional, cumpre, entretanto, como é óbvio, que exista entre eles e as disposições novas real incompatibilidade, conflito, inconveniência absoluta, assumida, de modo expresso ou tácito, implícito ou explícito, pelo novo texto. Assim também, o propósito de preservá-las intactas por igual modo será deduzido. É dizer: segue-se que o princípio normal de que incompatibilidades não se presumem, sobreposse quando o diploma superveniente exprime seu apreço por um valor que, de outro modo, seria afetado por regra encartada neste novo regramento. É, aliás, o que sucede no caso vertente, porquanto a Constituição de 1988, em seu art. 5°, XXXVI, reitera, como princípio, o tradicional agasalho aos direitos adquiridos. Com efeito, as regras de direito, inclusive as constitucionais, pressupõem-se promulgadas para reger as relações futuras, sem molestar as que se constituíram no passado e seguem em curso, salvo quando entre elas houver, como dito, incompatibilidade absoluta ou existir induvidoso intento normativo de aniquilar ou permitir sejam aniquiladas ou afetadas as relações precedentes, para que todas, antigas e novas, a partir da sobrevinda do novo diploma, passem a afinar por igual diapasão. No caso