SUSCITANTE Presidente do TRT da 23a Região PARTE RÉ XXXX CUSTUS LEGIS MINISTERIO PUBLICO DO TRABALHO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO PROCESSO N. 0000065-09.2015.5.23.0000 (IUJ) SUSCITANTE: PRESIDENTE DO TRT DA 23a REGIÃO RELATOR: ROBERTO BENATAR EMENTA INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INSTALAÇÃO DE CÂMERA EM VESTIÁRIO. DANO MORAL. O monitoramento por câmera em vestiário/banheiro configura abuso do poder diretivo por violar a intimidade do trabalhador. RELATÓRIO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima indicadas. O Presidente deste Tribunal suscitou o presente incidente de uniformização de jurisprudência, a fim de pacificar a divergência constatada na jurisprudência das turmas em relação ao deferimento de indenização por dano moral decorrente da instalação de câmeras de vídeo em vestiário, na hipótese em que o sindicato da categoria profissional respectiva autoriza tal medida e há norma regulamentar disciplinando o acesso às imagens gravadas. O Ministério Público do Trabalho, através de parecer da lavra do Procurador Fabricio Gonçalves de Oliveira , opinou pelo conhecimento do incidente de uniformização de jurisprudência e, no mérito, no sentido de que ".. viola o direito à intimidade, por si só, a instalação de câmeras em vestiário, independendo de eventuais pré -requisitos existentes, o que acarreta indenização por danos morais ao trabalhador". É o relatório. ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos de admissibilidade próprios à espécie, conheço do incidente de uniformização de jurisprudência suscitado. MÉRITO Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência suscitado pelo Presidente deste Tribunal ante a divergência jurisprudencial verificada entre as turmas sobre o deferimento de indenização por dano moral decorrente da instalação de câmeras de vídeo em vestiário, na hipótese em que tal medida é autorizada pelo sindicato da categoria profissional respectiva e há norma regulamentar disciplinando o acesso às imagens gravadas. Examinando os precedentes jurisprudenciais indicados por Sua Excelência observo que a jurisprudência da 2a Turma deste Tribunal é no sentido de deferir a aludida indenização decorrente da instalação de câmeras de vídeo em vestiário, não obstante a chancela outorgada pelo sindicato da categoria profissional e o rigor do procedimento de acesso às imagens gravadas, conforme se observa do acórdão proferido no recurso ordinário n. 0001596¬ 55.2014.5.23.0101, da relatoria da Juíza Convocada Mara Oribe, de cuja fundamentação extraio:: Compulsando os autos, verifico que restou incontroversa a instalação de câmeras nos vestiários dos trabalhadores da reclamada. Ora, tal situação seguramente viola a intimidade dos trabalhadores que necessitam se despir para a colocação de uniformes, mesmo sabendo que estavam sendo filmados, inexistindo prova de que havia local destinado à troca de roupas não alcançado pelas câmeras. Ademais, mesmo que não houvesse um monitoramento permanente, permanece a violação à intimidade e privacidade dos trabalhadores, pois, ainda que excepcionalmente, terceiros poderiam acessar as imagens dos obreiros gravadas durante um momento íntimo. Saliento, de outro norte, que não pode prevalecer a justificativa apontada pela reclamada no sentido de salvaguardar direito patrimonial de seus empregados, porque existem outras formas para assim proceder, sendo a escolhida pela empresa a mais inadequada. Pensar de modo diverso seria o mesmo que sobrepor o patrimônio em detrimento da dignidade da pessoa humana, o que não se admite, nos termos dos artigos 1°, inciso III e 5°, inciso X, ambos da CR/88 e artigos 11 a 21 do CC/2002. Por essa mesma razão, tenho por inócua a discussão sob o prisma da legalidade do procedimento adotado em razão da participação do ente sindical nas fases do processo correlato, conforme o disposto em ACT, pois tal norma não tem o condão de afastar a violação à intimidade dos empregados, como ocorrido na hipótese em apreço. Concluo, pois, demonstrados os requisitos da responsabilidade civil, visto que comprovado o efetivo prejuízo na esfera pessoal da reclamante, decorrente de ato perpetrado pela reclamada, em verdadeiro abuso de poder, impondo-se a manutenção da sentença que concedeu a reparação de cunho moral postulada. Já a 1a Turma reputa inocorrente o dever de indenizar em hipóteses como tais, conforme se observa do acórdão proferido no recurso ordinário n. 0001523-83.2014.5.23.0101, da relatoria do Desembargador Osmair Couto, assim ementado: RECURSO DA AUTORA. DANO MORAL. CÂMERAS NOS VESTIÁRIOS. ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA RESGUARDAR A PRIVACIDADE E A SEGURANÇA DOS TRABALHADORES. DESNECESSIDADE DE EXPOSIÇÃO EM TRAJES ÍNTIMOS. INDENIZAÇÃO INDEVIDA - A intimidade e a privacidade constituem direitos fundamentais, mas, no caso em tela, eles foram minimamente violados no contexto de conflito com o direito à propriedade dos próprios empregados. A utilização das câmeras foi alvo de amplo estudo técnico e sua instalação foi consentida pelo representante do sindicato da categoria obreira, que resultou na Norma Organizacional n° 06.4.019, na qual ficou determinado o seu objetivo, campo de aplicação e a forma de acesso às filmagens, não havendo monitoramento das imagens, as quais eram acessadas somente após o registro de Boletim de Ocorrência pelos empregados. Daí decorre que a atitude da ré de instalar as câmeras nos vestiários não configura ato ilícito passível de indenização, uma vez que foram adotadas muitas cautelas para, ao mesmo tempo, garantir a privacidade e a segurança dos trabalhadores, além de as câmeras não estarem direcionadas para os vestiários, de modo que não era necessária a exposição em trajes íntimos na colocação do uniforme. Recurso não provido. Resta, pois, caracterizada a divergência jurisprudencial sobre a temática hábil a desafiar a competente uniformização. Pois bem. A divergência jurisprudencial versa sobre o caso de instalação de câmeras de vídeo nos vestiários de seus empregados, nos quais estes trocavam roupas, em trajes íntimos, daí a alegação de dano moral decorrente da violação à garantia constitucional à inviolabilidade da intimidade e da privacidade. Adotava, eu, o posicionamento de que as filmagens no âmbito dos vestiários dos frigoríficos não renderia ensejo à indenização por dano moral, porquanto o próprio sindicato da categoria dos trabalhadores compactua com o procedimento. Somado a isso, a Norma Organizacional n. 06.4.019 somente admite a visualização das imagens após o recebimento de cópia do boletim de ocorrência registrado pela vítima e com a presença do empregado responsável pela administração dos vestiários, do supervisor do setor, bem assim de representante do sindicato dos trabalhadores, consignando, ainda, que as imagens do vestiário feminino e masculino somente sejam vistas por pessoas do mesmo sexo, respectivamente, demonstrando que a visualização de referidas imagens é ato restrito a determinadas pessoas. Contudo, a jurisprudência majoritária tem entendido que é devida a reparação civil, conforme precedentes que seguem: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MONITORAMENTO POR CÂMERA NO BANHEIRO/VESTIÁRIO. ABUSO DO PODER DE DIREÇÃO . Trata-se de pedido de indenização por dano moral sob a alegação de violação da privacidade do empregado por monitoramento do banheiro/vestiário por meio de câmara. O direito à privacidade configura um poder jurídico fundamental do cidadão, possuindo status constitucional, insculpido no artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal. Representa, na verdade, uma grande conquista do indivíduo, frente ao Estado, constituindo um direito subjetivo oponível erga omnes, de forma a exigir uma omissão social, a fim de que a vida privada do ser humano não sofra violações. Esse direito alberga todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade. Segundo Matos Pereira, constitui "o conjunto de informação acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito" ( apud , SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 33a edição, editora Malheiros, 2009, p. 206). O ordenamento jurídico pátrio, visando a conferir efetividade a esse direito, estabeleceu diversos dispositivos cujo escopo é garantir-lhe a inviolabilidade e, em caso de violação, a efetiva reparação ao lesado e punição do algoz. No caso dos autos, é incontroverso o fato de que havia câmera para monitorar os empregados no banheiro/vestiário. Com efeito, consta na decisão recorrida que "existia uma câmera instalada na entrada do vestiário focalizando a entrada do banheiro e do vestiário". O Regional assentou, também, o depoimento da testemunha arrolada pela reclamada, segundo a qual "existia uma câmera instalada em cima, próximo da janela e do lavatório, em cima do lavatório, o foco da filmagem era o pessoal passando indo da entrada do banheiro para os vestiários; nunca viu filmagem do banheiro; foco da filmagem era só das pessoas passando, logo em seguida da área dos vestiários; não era filmado o vestiário nem a área que eles tomavam banho". Impende destacar que é irrelevante o fato de o foco da filmagem ser somente a entrada do banheiro, pois a presença de câmera em local tão privativo, por si só, já causa constrangimento a quem adentra o recinto, mormente pelo fato de não se saber, exatamente, quais locais daquele ambiente estão sendo filmados. O dano, nesses casos, é in re ipsa, ou seja, advém do simples fato de violar a privacidade do reclamante no momento em que necessita utilizar o banheiro ou o vestiário, causando-lhe, inequivocamente, constrangimento e intimidação, ferindo o seu direito constitucionalmente garantido. Não há perquirir acerca de prejuízos ou mesmo de comprovação para configurar dano moral, derivando a lesão, inexoravelmente, do próprio fato ofensivo. Presente, pois, o dano moral, consistente na violação da privacidade do autor, causando-lhe constrangimento e intimidação ao utilizar o banheiro/vestiário sob a supervisão de câmeras de filmagem. Por outro lado, a conduta do empregador revela-se abusiva, pois o seu poder diretivo não autoriza a instalação de câmera de segurança no banheiro dos empregados. Verifica-se, então, que a reclamada, ao instalar câmera de segurança no banheiro dos empregados, agiu com abuso do seu poder diretivo, configurando essa conduta um ato ilícito, nos termos do disposto no artigo 187 do Código Civil. Consoante o escólio de Sérgio Cavaliere Filho, "o fundamento principal do abuso de direito é impedir que o direito sirva como forma de opressão, evitar que o titular do direito utilize seu poder com finalidade distinta daquela a que se destina" (CAVALIERE FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade civil, 9a edição, editora Atlas, 2010, p. 161). Na hipótese em que o dano advém de abuso de direito, é despicienda a configuração da culpa lato sensu - culpa stricto sensuou dolo, havendo ato ilícito, suficiente para ensejar o pagamento de indenização por dano moral, independentemente desse elemento subjetivo da conduta. Cumpre ressaltar ser irrelevante ter ou não havido a divulgação das filmagens para configurar o dano moral, aspecto fático importante, apenas, para o arbitramento do valor da indenização. Nesse contexto, demonstrada a existência da conduta patronal comissiva, o dano sofrido pelo empregado e o nexo de causalidade entre eles, exsurge a responsabilidade civil da reclamada oriunda do abuso do seu poder diretivo. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 74800-42.2009.5.03.0109 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 10/06/2015, 2a Turma, Data de Publicação: DEJT 19/06/2015) INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. INSTALAÇÃO DE CÂMERA DE MONITORAMENTO EM LOCAL UTILIZADO COMO VESTIÁRIO PELO EMPREGADO . 3.1. A Constituição Federal de 1988, consolidando o ideal de proteção universal, elegeu a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1°, III). 3.2. A dignidade consiste na percepção intrínseca de cada ser humano a respeito dos direitos e obrigações, de modo a assegurar, sob o foco de condições existenciais mínimas, a participação saudável e ativa nos destinos escolhidos, sem que isso importe destilação dos valores soberanos da democracia e das liberdades individuais. O processo de valorização do indivíduo articula a promoção de escolhas, posturas e sonhos, sem olvidar que o espectro de abrangência das liberdades individuais encontra limitação em outros direitos fundamentais, tais como a honra, a vida privada, a intimidade, a imagem. Sobreleva registrar que essas garantias, associadas ao princípio da dignidade da pessoa humana, subsistem como conquista da humanidade, razão pela qual auferiram proteção especial consistente em indenização por dano moral decorrente de sua violação. 3.3. No presente caso, o quadro revelado pelo Regional assinala a instalação, sem prévia comunicação aos empregados, de câmera de monitoramento em local utilizado como vestiário. Nesse sentir, a conduta adotada pela empregadora viola a dignidade, a intimidade e a privacidade de seus empregados (art. 5°, X, da CF), constituindo, portanto, ato ilícito. Recurso de revista não conhecido. (RR - 259300-59.2007.5.02.0202 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 05/09/2012, 3a Turma, Data de Publicação: DEJT 19/10/2012) Assim é que fixo a interpretação do direito aplicável à espécie no sentido de que o monitoramento por câmera em vestiário/banheiro configura abuso do poder diretivo por violar a intimidade do trabalhador. Desse modo, sugiro a edição de súmula de jurisprudência com a seguinte redação: INSTALAÇÃO DE CÂMERA EM VESTIÁRIO. DANO MORAL. O monitoramento por câmera em vestiário/banheiro configura abuso do poder diretivo por violar a intimidade do trabalhador. CONCLUSÃO Pelo exposto, conheço do incidente de uniformização de jurisprudência suscitado e, no mérito, fixo a interpretação do direito aplicável à espécie no sentido de que o monitoramento por câmera em vestiário/banheiro configura abuso do poder diretivo por violar a intimidade do trabalhador, editando súmula de jurisprudência em tal sentido, nos termos da fundamentação. É como voto. ACÓRDÃO ISSO POSTO: O Egrégio Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 23a Região na 2a Sessão Extraordinária, realizada nesta data, DECIDIU , por unanimidade, conhecer do incidente de uniformização de jurisprudência suscitado e, n