Intimado(s)/Citado(s): - FLAVIO SIMOES BURGO - SMALL DISTRIBUIDORA DE DERIVADOS DE PETROLEO LTDA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO PROCESSO n° 0024862-50.2014.5.24.0002 (RO) A C Ó R D Ã O 1a TURMA Relator : Des. ANDRÉ LUÍS MORAES DE OLIVEIRA Recorrente : FLÁVIO SIMÕES BURGO Advogados : Roberto de Avelar e outro Recorrida : SMALL DISTRIBUIDORA DE DERIVADOS DE PETRÓLEO LTDA. Advogados : Adirson de Oliveira Beber Junior e outro Origem : 2a Vara do Trabalho de Campo Grande/MS HORAS EXTRAS - MOTORISTA DE CAMINHÃO - CONTROLE DA JORNADA. Evidenciando-se a possibilidade de controle da jornada do reclamante, como motorista de caminhão, não tem incidência o disposto no artigo 62, I, da CLT, sendo devidas as horas extras praticadas. Recurso provido no particular. Vistos, relatados e discutidos estes autos (PROC. N. 0024862¬ 50.201 4.5.24.0002-RO) nos quais figuram como partes as epigrafadas. Inconformada com a r. decisão ID 0a46baa, complementada pela decisão ID 6ccb682, proferida pelo Exmo. Juiz do Trabalho Substituto Mario Luiz Bezerra Salgueiro, que julgou improcedentes os pedidos articulados na inicial, recorre ordinariamente o reclamante a este Egrégio Tribunal, pretendendo reforma. Custas processuais dispensadas. Contrarrazões apresentadas pela reclamada. Em razão do que prescreve o artigo 84 do Regimento Interno, os autos não foram encaminhados ao d. Ministério Público do Trabalho. É o relatório. V O T O 1 - CONHECIMENTO Presentes os pressupostos processuais de admissibilidade, conheço parcialmente do recurso, não o fazendo quanto ao tema intervalo intrajornada, por inovador à lide, tanto que sequer apreciado na sentença, uma vez que, na inicial, o autor afirma que usufruía uma hora de intervalo para refeições e descanso. Conheço parcialmente das contrarrazões, não o fazendo quanto aos temas intervalo intrajornada, intervalo interjornada, diferenças de verbas rescisórias, FGTS, férias, e adicional de periculosidade, multa dos artigos 467 e 477 da CLT e honorários advocatícios - perdas e danos, porquanto não foram objeto do recurso. O pedido de intimação exclusiva em nome do advogado Adirson de Oliveira Beber Junior não pode ser acolhido considerando que as intimações no processo eletrônico são realizadas em nome de todos os advogados habilitados no processo. A desabilitação dos demais advogados seria necessária para o desiderato, o que não foi requerido. 2 - MÉRITO 2.1 - COMISSÕES Aduz o reclamante que além do pagamento do piso da categoria, faz jus ao pagamento de comissões no importe de 3% sobre o faturamento líquido do caminhão, que em média era de R$ 30.000. 00 a R$ 35.000,00 por mês, conforme previsto em convenção coletiva da categoria. Pleiteia, ainda, os reflexos das comissões nos descansos semanais remunerados e destes nas demais verbas. Com parcial razão. De fato, há nos autos convenções coletivas de trabalho firmadas entre os sindicatos das categorias econômica e profissional de transporte de cargas do Estado de Mato Grosso do Sul as quais, pelo princípio da territorialidade (artigo 8°, inciso II, da Constituição Federal), são aplicáveis no presente caso, tendo em vista que o reclamante transportava e distribuía carga (combustível) da reclamada dentro do Estado de Mato Grosso do Sul, na função de motorista. A reclamada não se insurgiu quanto a aplicabilidade das normas coletivas, afirmando apenas que as comissões eram contabilizadas e pagas ao autor, inclusive incluídas em folha de pagamento, já que não havia qualquer valor pago que não fosse registrado em folha. Da mesma forma, não houve oposição por parte da reclamada quanto ao valor do faturamento líquido do caminhão alegado pelo autor na inicial. Ocorre que a parcela não foi adimplida pela reclamada, consoante recibos de pagamentos de salários carreados aos autos. Dessa forma, dou parcial provimento ao recurso para condenar a reclamada ao pagamento de comissões mensais no importe de R$ 975.00, observando a proporcionalidade em relação aos meses não trabalhados integralmente e os períodos de vigência das respectivas normas coletivas que as instituíram. Reflexos das comissões em adicional de periculosidade, aviso prévio indenizado, férias acrescidas do 1/3 constitucional, gratificação natalina, FGTS e multa de 40%. Não há falar em reflexos das comissões em DSRs, posto que o valor das comissões já engloba os dias de descanso trabalhados. O valor das comissões, por sua natureza salarial, deverá ser inserido na base de cálculo das horas extras e reflexos (recálculo). 2.2 - HORAS EXTRAS A r. decisão reconheceu a tese da incidência do art. 62, I, da CLT e indeferiu horas extras e reflexos ao reclamante, no exercício da função de motorista de transporte de cargas. Irresignado, argumenta o reclamante que, mesmo antes da Lei n. 12.619/2012, era possível o controle da jornada de trabalho através do sistema de rastreamento por satélite. O autor busca o reconhecimento da jornada da inicial - das 5h às 22h, com intervalo de uma hora para refeições e 2 folgas por mês - para todo o período contratual, pois havia controle de jornada e, apesar da determinação do juízo de exibição dos relatórios de rastreamento, eles não foram apresentados, incidindo o disposto na Súmula 338, I, do C. TST. Sustenta, ainda, que, reconhecida tal jornada, cabe o pagamento dos domingos trabalhados sem folga compensatória. Com parcial razão. O autor trabalhou como motorista carreteiro e seu contrato teve vigência de 15.12.2011 a 2.5.2014. A reclamada, contestou o pagamento de horas extras arguindo a tese de trabalho externo, sem controle de jornada, nos moldes do artigo 62, I, da CLT, e ponderou que a jornada alegada na inicial não é razoável. O artigo 62, I, da CLT, invocado pela empresa, afasta a incidência das normas reguladoras da duração do trabalho dos empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, não sendo essa, todavia, a situação do autor, pois ficou claro que havia possibilidade de controle da jornada dos motoristas. Conforme a testemunha do reclamante, Marcos, havia rastreamento dos caminhões e também um sistema de troca de mensagens através de teclado instalado nos veículos, itinerários preestabelecidos, inclusive com locais de paradas para refeições e abastecimentos em postos, que qualquer alteração de horário pelo motorista deveria ser comunicada à empresa, que havia uma pessoa responsável pela anotação do horário de saída e de chegada do veículo, além do que os motoristas eram obrigados a ligar para reclamada avisando do início da viagem (ID 5efabd0, p. 3, itens 3, 6, 7, 9, 13 e 14). A testemunha da reclamada, ouvida por carta precatória, confirma que havia possibilidade de acompanhamento da localização e das paradas dos veículos, que se houvesse parada em local fora do normal o motorista deveria entrar em contato com a empresa, que haviam horários programados para carregamento na base e que o reclamante era instruído a ligar para a reclamada depois que já tivesse carregado o caminhão e fosse sair em viagem (ID 0e08179, p. 3). Ademais, havia registro de horários por cartões de ponto (ID 65820de, a partir da p. 26, ID 6bd2f1e, ID 80f735b, ID 20d241a, ID d835fc0 e ID 6b09f9b), mesmo antes da vigência da Lei n. 12.619/2012, e o reclamante recebia o pagamento de horas extras (holerites - ID d589531, ID 14c5008, ID a84e0c1 e ID 1188725), procedimentos confirmados pela empresa. Em audiência, a reclamada reconheceu que "possui informações acerca da localização do veículo" e que havia possibilidade de confronto dos cartões de ponto com os relatórios de rastreamento, entretanto, tais horários não eram questionados pela empresa por acreditar que fossem idênticos em ambos os documentos (ID 5efabd0, p. 2, itens 5 e 11). Declarou, ainda, possuir os relatórios de rastreamento, sendo determinado pelo juízo a juntada de tais documentos que, contudo, não foram carreados aos presentes autos pela reclamada (ID d1eb3c7). Note-se que, ainda que o rastreamento fosse realizado para a segurança da carga, tal circunstância não afasta a ilação de que por meio de tal equipamento era possível para a ré controlar a efetiva jornada laborada pelo autor em viagem. Com efeito, o sistema de rastreamento via satélite permitia verificar se os veículos estavam em movimento ou parado, além do que a reclamada estabelecia as rotas que deveriam ser cumpridas, sendo que o veículo conduzido pelo reclamante também possuía a tecnologia de troca de mensagens (ID 5efabd0, p. 2, item 9). Diante disso, a ausência de fiscalização da jornada não pode constituir óbice ao reconhecimento do direito às horas extras. Nesse sentido, em matéria idêntica, a jurisprudência do Colendo TST: RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. MOTORISTA. ATIVIDADE EXTERNA. CONTROLE DA JORNADA. Verifica-se que o e. Regional, em virtude da alegação da reclamada de que o reclamante, na função de motorista, exercia atividade externa, atribuiu ao autor o ônus de provar que havia o efetivo controle da jornada de trabalho. Ocorre que esta Turma tem firme jurisprudência no sentido de que, ao alegar a existência de jornada externa, sem possibilidade de controle, a empresa atrai o ônus probatório, por se tratar de fato obstativo ao direito às horas extras. Superada a questão do ônus, extrai-se do teor do acórdão recorrido que havia o efetivo controle da jornada, na medida em que o próprio preposto afirmou a existência de rastreadores nos caminhões conduzidos pelo reclamante, cujos relatórios serviram inclusive para a fixação da jornada no período posterior à vigência da Lei n° 12.619/2012. Evidenciado o controle de jornada, deve ser afastado o enquadramento do reclamante no art. 62, I, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-ARR-929-79.2013.5.24.0003 - Rel. Desembargador Convocado Breno Medeiros - Ac. 8a T. - DEJT 04.09.2015). Registro que, como observou o juízo, no período posterior a Lei n. 12.619/2012, o autor atribuiu validade aos controles de horário, não tendo demonstrado nenhuma diferença em seu favor. Relativamente à efetiva jornada desempenhada antes da Lei n. 12.619/2012, o autor asseverou que os horários registrados nos cartões de ponto não refletiam a verdadeira jornada praticada, posto que era obrigado a anotar aqueles horários, conforme orientação da empresa, inclusive com diferenças de minutos. A testemunha Marcos confirmou que "era a reclamada quem registrava os horários de trabalho, que não refletiam a jornada cumprida pelo motorista " (ID 5efabd0, p. 3, item 8). Dessa forma, a ausência dos relatórios de rastreamento e o teor da prova oral implicam a presunção relativa de veracidade da jornada articulada na exordial, a teor do art. 74, § 2°, da CLT e da Súmula n° 338, I, do TST, no período anterior a Lei n. 12.619/2012. E, ao contrário do que aponta a reclamada, não se vislumbra absurda a jornada alegada pelo reclamante na inicial, porquanto plausível. Pelo exposto, reconheço a jornada alegada pelo reclamante na inicial, para o período anterior a Lei n. 12.619/2012, como sendo das 5h às 22h, com uma hora de intervalo, inclusive em feriados (exceto 1° de Maio, Natal e 1° de janeiro) e apenas duas folgas mensais. Assim, dou parcial provimento ao recurso para, no período anterior a Lei n. 12.619/2012, deferir como extras as horas que ultrapassarem o limite de oito horas diárias e 44 horas semanais, o que for mais vantajoso, observados os adicionais convencionais e, na falta destes, o adicional legal de 50%, os dias efetivamente trabalhados, a limitação ao pedido, a evolução salarial e a OJ 394 da SBDI-1 do C. TST. Considerando que o reclamante recebia parte do salário em comissões (item 2.1), devem ser calculadas as horas extras sobre o salário fixo (divisor 220) e somente os adicionais sobre as comissões (divisor equivalente ao número de horas efetivamente trabalhadas no mês), nos termos da Súmula 340 do C. TST. Por habituais, devido os reflexos das horas extras em DSR, aviso prévio indenizado, férias acrescidas do 1/3 constitucional, gratificação natalina e FGTS e multa de 40%. Os valores pagos pelos mesmos títulos deverão ser compensados. Outrossim, defiro a dobra de domingos (2 por mês) e feriados laborados (exceto 1° de Maio, Natal e 1° de janeiro). 2.3 - DANOS MORAIS Insiste o reclamante no pedido de danos morais existenciais em decorrência do fato de a jornada ultrapassar habitualmente o limite legal de horas extras por dia, restringindo a vida pessoal. Sem razão. No caso, foi reconhecida a jornada de trabalho das 5h às 22h, com uma hora de intervalo e folga em apenas 2 domingos por mês (tópico 2.2). Todavia, a prestação habitual de horas extras acima do limite previsto no art. 59, caput, da CLT, não enseja, por si só, a indenização por danos morais. Isso porque deve ser analisado o caso concreto e a atividade do reclamante, de motorista carreteiro, propicia diversas pausas durante a jornada (além do intervalo intrajornada usufruído), como durante os abastecimentos, carregamentos e descarregamentos, em cujos períodos, não obstante o empregado esteja à disposição do empregador, não há desgaste físico ou psicológico. Ademais, não se pode considerar todo e qualquer tipo de descontentamento ou dissabor, comuns no cotidiano das pessoas, como fato gerador do direito à indenização, como no caso dos autos. Os prejuízos, então, apenas no plano material, estão sendo reparados com a condenação da parcela trabalhista ora deferida. Nego provimento. 2.4 - DIÁRIAS O juízo indeferiu o pedido de diárias por entender que o reclamante alterou a causa de pedir, uma vez que a tese inicial era de não ter sido pago qualquer valor a este título, sendo que posteriormente o autor afirmou em audiência que os valores recebidos não eram suficientes para custear as despesas, não havendo provas deste fato inovatório. O reclamante renova o pedido de diárias de viagens, estabelecidas nas convenções coletivas de trabalho, sustentando que viajava, em média, 26 dias por mês. Assevera, ainda, a integração da parcela ao salário, a fim de gerar reflexos em outras parcelas. Parcial razão lhe assiste. Na inicial o autor afirma que a reclamada inseria nos recibos de pagamentos a verba denominada "Reembolso Indenizado de Despesas", e que este ressarcimento de despesas não se confunde com o valor de R$ 31,00 por dia de viagem, estipulado para as diárias nas normas coletivas da categoria. Na defesa a reclamada confirma que "Os valores pagos a título de reembolso de despesas refere-se efetivamente a reembolso, sempre que o Reclamante utilizava valores para abastecer o caminhão, fazer manutenção eventual, troca de pneus, etc..." (ID 52d0404, p. 20). Todavia, argumenta que nunca foi estipulado um valor para diárias e que o reclamante não se desincumbiu de comprovar sua existência.