Seção: 3
a VARA DO TRABALHO DE SOROCABA
Tipo: Sentença
Intimado(s)/Citado(s):
- DONIZETE SILVO ALVES
- TRANSCAYRES TRANSPORTE E TURISMO LTDA
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
Justiça do Trabalho - 15a Região
3a Vara do Trabalho de Sorocaba
Processo: 0011746-93.2014.5.15.0109
AUTOR: DONIZETE SILVO ALVES
RÉU: TRANSCAYRES TRANSPORTE E TURISMO LTDA
SENTENÇA
DONIZETE SILVO ALVES ajuizou Reclamação Trabalhista em face
de TRANSCAYRES TRANSPORTE E TURISMO LTDA., alegando
que trabalhou de 04/10/2010 a 02/10/2012, e foi dispensado sem
justa causa. Relatou diversas irregularidades quanto aos seus
direitos trabalhistas e formulou os pedidos respectivos, requerendo
os benefícios da justiça gratuita. Deu à causa o valor de R$
100.000,00 (cem mil reais). Juntou documentos.
Em que pese regularmente notificada, a reclamada não compareceu
na audiência em que deveria apresentar defesa e prestar
depoimento, sendo reputada revel e confessa quanto à matéria de
fato.
Em audiência não foi produzida prova oral, conforme ata de
audiência e encerrou-se a instrução processual, com a
concordância das partes.
É o relatório. DECIDO.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Embora regularmente notificada, a 1a reclamada não compareceu
na audiência em que deveria apresentar resposta à pretensão do
autor, devendo ser considerada revel e aplicada pena de confissão
ficta quanto à matéria de fato.
TÉRMINO DO CONTRATO DE TRABALHO
Por certo não há como validar qualquer tipo de acordo extrajudicial
ou em câmara arbitral no qual o empregado dá quitação ao
recebimento de suas verbas rescisórias, em especial porque os
direitos do trabalho são de natureza indisponível.
Assim, condeno a ré ao pagamento de aviso prévio de 33 dias; 02
dias de saldo de salários relativos a outubro de 2012; 1/12 avos de
férias de 2012/2012, acrescidas de 1/3; férias integrais, de forma
simples, do período aquisitivo 2011/2012, acrescidas de 1/3; férias
integrais, de forma dobrada (CLT, artigo 137), do período aquisitivo
2010/2011, acrescidas de 1/3; 10/12 avos de décimo terceiro salário
de 2012; diferença de FGTS de outubro de 2010 a novembro de
2012; indenização sobre o FGTS de 40%; multa do artigo 477, § 8°,
da CLT; acréscimos do artigo 467 da CLT;
SALÁRIO POR FORA
Em razão da revelia, reconheço o pagamento de R$600,00 "por
fora" ao reclamante, e defiro os reflexos em aviso prévio,
FGTS+40%, férias +1/3, 13° salários.
JORNADA DE TRABALHO
De início, destaca-se que a narração inicial é genérica,
impossibilitando que acolhida a inicial porque não fixada de forma
clara a jornada e ausência de intervalos interjornadas, tornando o
pedido incerto.
A alegação autoral é genérica por demais ao falar em média diária
de 10 à 20 horas. Veja que entre o mínimo e o máximo há uma
diferença de 100%.
Mais genérica ainda é a afirmação de que "por diversas vezes o
reclamante trabalhava em turnos diferentes em um mesmo dia, e,
consequentemente, não gozava do intervalo interjornada na
integralidade".
No mesmo sentido é o pedido de adicional noturno.
Ressalta-se que a informalidade que vigora no processo do trabalho
não pode ser interpretada ao ponto de se permitir alegações de
forma tão imprecisas.
Em razão disso, em que pese a revelia da reclamada, considerando
os termos do pedido inicial, e ainda a alegação de que havia
trabalho em 20h por dia, o que desafia a razoabilidade, julgo
improcedentes todos os pedidos relacionados à jornada de trabalho.
MULTAS NORMATIVAS
Indefiro o pedido de aplicação da multa prevista em norma coletiva
por entender que essa é exigível quando o sindicato atua na sua
função de agente fiscalizador do cumprimento das disposições
normativas.
Não havendo fiscalização do sindicato, reconhecimento de
descumprimento apenas em juízo não gera ao autor o direito à
cobrança da multa. Indefiro o pedido.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
De início, entendo necessário esclarecer às partes que
recentemente alterei entendimento pessoal sobre a configuração do
dano moral em caso de não pagamento deliberado de verbas
rescisórias.
Não obstante tenha entendido em ações anteriores que o
inadimplemento de verbas por si só não gere direito à indenização
por dano moral, mas tão somente à compensação material
correspondente, tal posicionamento merece ser repensado de
acordo com as situações do caso concreto.
Muito se tentou na doutrina e jurisprudência conceituar o instituto do
dano moral. Primeiro se chegou a um conceito negativo, de forma
que o dano moral seria toda e qualquer lesão sem efeitos
patrimoniais.
Em conceito positivo, o dano moral pode ser conceituado como todo
e qualquer sofrimento da pessoa. Dessa forma, causa dano moral o
ilícito capaz de provocar mágoa aos valores mais íntimos da
pessoa, sustentáculo de sua personalidade e postura perante a
sociedade. Mas conceitua-se também como o dano que afeta a
honra subjetiva e objetiva do indivíduo, a primeira concernente à
imagem que o próprio indivíduo faz de si mesmo e a segunda
relativa à imagem que os outros fazem dele.
Em suma, o dano moral é toda e qualquer lesão à dignidade
humana. Dano moral é a dor suportada pelo ser humano, em
qualquer de suas modalidades.
Por certo, no caso em tela o dano moral se configura
in re ipsa,
tendo em vista o reclamante foi despedido sem justa causa e a ré
deixou de pagar, deliberadamente, os mais básicos dos direitos
trabalhistas.
Não há como negar que o momento da dispensa por justa causa já
causa enorme angústia, em especial em nosso País onde a
recolocação no mercado de trabalho é uma incerteza, uma
verdadeira batalha.
Ao aliar à dispensa sem justa causa o não pagamento das verbas
rescisórias a reclamada deliberadamente agrava a situação
psíquica do empregado, que já se encontra sem os salários futuros
para seu emprego, e não terá condições de arcar com as despesas
básicas de sobrevivência, como pagamento de água, luz,
supermercado.
O não pagamento deliberado de verbas rescisórias causa dano à
pessoa muito superior a mero aborrecimento. Não há como negar a
existência de dano ao empregado que ao ser despedido sem justa
causa sequer consegue sacar o FGTS - direito trabalhista que lhe
pertence - não consegue se habilitar no seguro desemprego e não
recebe nenhum centavo para quitar suas despesas básicas
ordinárias, devendo se socorrer ao judiciário para receber o mínimo.
A despeito da sua imaterialidade, no entanto, o dano moral é
passível de ser inferido tanto pelas regras de experiência comum,
subministradas pelaobservação do que ordinariamente acontece,
como pelo critério de valoração objetiva do homem médio.
É justamente o que ocorre no caso ora em tela, em que se tornou
incontroverso que o empregado, após ser dispensado, não recebeu
regularmente as verbas rescisórias, tendo aguardado por meses
para conseguir sacar o FGTS, se habilitar no seguro desemprego, e
ainda irá aguardar por um indeterminado tempo até que
empregador resolva quitar sua obrigação ou o Estado consiga a
execução forçada de bens.
O descumprimento proposital de obrigações mínimas, obrigações
indispensáveis à sobrevivência do empregado despedido, gera
dano interno, gera sofrimento e aflição profunda. Basta imaginar um
pai de família sem um "trocado" para comprar o leite, porque o seu
empregador simplesmente se negou a pagar os seus direitos
básicos.
O fato de tratar-se de verba alimentar, da qual o trabalhador
depende para garantir a sua sobrevivência e a de sua família,
apenas torna mais profunda a angústia advinda do seu não
recebimento.
Nesse sentido, acórdão deste E. TRT, na qual foi relator o Exmo.
Desembargador Pedro de Camargo Rodrigues de Souza:
"RECURSO ORDINÁRIO - DANO MORAL - DESPEDIMENTO
INCONSEQUENTE - FALTA DE PAGAMENTO DAS VERBAS
RESCISÓRIAS. Deve-se exigir a implementação e o respeito ao
patamar mínimo civilizatório, constitucional e legal, que regula as
relações do trabalho daí por que, se o empregador se vale do direito
potestativo de dispensa, em contrapartida deve cumprir a legislação
que o obriga a quitar as verbas rescisórias, na forma do art. 477 da
CLT. Se não o faz, pratica ato ilícito ou abusivo de direito, na exata
forma como prevêem os arts. 186 e 187 do Código Civil, estando
obrigado a indenizar. O ato de despedimento juridicamente
inconsequente, que remete o empregado à Justiça do Trabalho para
a busca de mais elementares direitos implica, em si mesmo, a
ocorrência de dano moral, eis que a privação desses valores
acarreta a humana angústia de não ter meios de sobrevivência
própria e da família. Raciocínio diverso teria como consequência a
desconsideração de diretrizes constitucionais do Estado
Democrático de Direito, como, por exemplo, os que privilegiam a
dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa, o respeito aos direitos sociais dos trabalhadores, a
proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, a função
social da propriedade e a livre e igual concorrência, a busca do
pleno emprego, o primado do trabalho, o bem estar e a justiça
social. Há de se por cobro, portanto, a essa prática irresponsável de
despedimentos sem o pagamento das verbas rescisórias. O direito
de rescindir a relação de trabalho, que não encontra tamanha
liberdade no mundo europeu (veja-se a OIT), atinge no Brasil
contornos de prática irresponsável aberta, causadora, portanto, de
danos materiais e morais ao trabalhador que literalmente é posto na
rua. Recurso improvido." (Processo n° 0000176-89.2010.5.15.0032,
decisão publicada em 20.01.2012)
A bem da verdade é que a conduta das empresas que não pagam o
mínimo, o essencial à sobrevivência, gera enriquecimento ilícito.
Não há como permitir que a empresa opte por não pagar as verbas
rescisórias porque sabe que ao responder a um processo irá pagar
nada além do já deveria ter pago, nem mesmo honorários
advocatícios são devidos.
O ilícito lucrativo é inadmissível. É inadmissível permitir que as
empresas soneguem os direitos mais elementares, os
indispensáveis para a sobrevivência humana. Nem se fala aqui em
dignidade humana, pois sem as verbas rescisórias o empregado
muitas vezes não tem o que comer e depende de favores dos mais
próximos.
É inaceitável a conduta do empregador que não paga o mínimo -
verbas rescisórias é o mais básico dos direitos trabalhistas - ao
empregado que dedica mais de 1/3 do seu tempo de vida ao
trabalho que, por certo, é convertido em enriquecimento do
empregador.
Não se trata aqui de ideologia, mas tão somente não há como
admitir que o empregador que obriga o empregado a buscar ajuda
de terceiros para sobreviver em razão de não recebimento das
verbas rescisórias, que obriga o empregado a se socorrer do
judiciário para buscar verbas que são INCONTROVERSAS e
essenciais à sobrevivência, causando verdadeiro abarrotamento de
demandas, saia impune e sem qualquer tipo de consequência.
Aliás, o dano moral não serve apenas para compensar o sentimento
da vítima, mas tem como função essencial prevenir a repetição do
ilícito. Se o ilícito continuar lucrativo o descumprimento dos direitos
básicos será eterno.
Assim, o valor da indenização deve ser arbitrado de acordo com o
grau de culpa da reclamada - que não se empenhou em reduzir os
riscos do trabalho - com sua condição econômica, a extensão do
dano à saúde, considerando que a única sequela é uma discreta
cicatriz, e em especial pelo caráter pedagógico da indenização, a
fim de evitar que o comportamento da reclamada se mantenha
inalterado.
Desse modo, fixo a indenização por dano moral no valor de R$
4.000,00 (quatro mil reais). O valor é fixado considerando
entendimento pacífico da cumulação entre dano moral e dano
estético. Assim, o juízo além da dor suportada pelo autor, levou em
consideração o prejuízo estético, embora mínimo.
Registro, nesse ponto, que a indenização ora fixada não gera
enriquecimento sem causa ou enriquecimento ilícito. Isso porque o
valor arbitrado decorre de uma decisão judicial, a causa é
justamente a lesão sofrida pelo autor.
Além disso, o conceito de enriquecimento é justamente o acréscimo
de patrimônio. Portanto, se lesão moral é aquela que não atinge o
patrimônio, qualquer valor arbitrado gerará enriquecimento, uma vez
que o patrimônio do autor será acrescido.
O dano moral não é passível de reparação, não há como retornar
ao
status quo ante
, razão pela qual a indenização deferida tem
como objetivo trazer compensação à vítima pela lesão sofrida,
acarretando invariavelmente acréscimo patriominal.
Assim, como qualquer valor fixado gera acréscimo de patrimônio, o
magistrado deve evitar é que esse acréscimo seja desproporcional,
exagerado, sem razoabilidade, o que não é o caso. Não há como
dizer que o valor arbitrado (R$ 4.000,00) é desproporcional ou
gerará riqueza indevida, afinal, nos dias atuais ninguém "fica rico"
com esse valor.
A condição econômica da vítima sequer pode ser considerada para
valorar e reduzir o valor da indenização por dano moral, pois do
contrário seria uma grande forma de discriminação. Pensar do
contrário é chancelar o ditado " dar ao pobre sua pobreza e ao rico
sua riqueza".
Por fim, fixar valor inferior não irá gerar, de forma alguma, o efeito
pedagógico, que é de fundamental importância ao lado da
compensação da vítima. Deixar de fixar com rigor o valor da
indenização com a escusa de causar enriquecimento ilícito é
esvaziar o instituto.
Não há como dar caráter pedagógico a uma indenização sem que
essa seja fixada com rigor, ainda que gere certo enriquecimento a
vítima, que afinal merece a compensação da dor sofrida.
Ademais, havendo conflito de interesses - caráter pedagógico x
vedação ao enriquecimento da vítima - deve-se privilegiar o
primeiro, sob pena de a prática do ilícito continuar lucrativa aos
infratores. Reitero: não há como tolerar o ilícito lucrativo.
JUSTIÇA GRATUITA
Concede-se ao reclamante o benefício da justiça gratuita nos
termos do artigo 790, § 3° da CLT e ainda conforme OJ 331 da
SBDI-1 do C. TST.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Na Justiça do Trabalho, somente são devidos honorários
advocatícios quando preenchidos os requisitos elencados nos arts.
14 e 16, da Lei 5.584/70. Nesse sentido a jurisprudência do C. TST,
consubstanciada na Súm. 219.
Ausente a necessária assistência sindical prevista no art. 14 da Lei
5.584/70, não há lugar para a condenação em verba honorária pela
mera sucumbência.
Assim, independente se o pedido é formulado como honorários de
sucumbência ou como perdas e danos pela contratação de
advogado, é indevida a verba. Julgo improcedente.
III - DISPOSITIVO
Diante do exposto, na reclamação trabalhista que DONIZETE
SILVO ALVES move em face de TRANSCAYRES
(...)
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Retirado
do TRT da 15ª Região (São Paulo) - Judiciário