Seção: 2
a VARA DO TRABALHO DE VITÓRIA
Tipo: Sentença
2a Vara do Trabalho de Vitória/ES
Endereço: Av. Cleto Nunes, 85, Centro, Vitória-ES, 29018-906
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Processo n° 0155500-74.2011.5.17.0002
Vistos e examinados os presentes autos, passo a proferir a seguinte
SENTENÇA
FRANCISCO MANOEL DA SILVA ajuíza reclamação trabalhista,
pelos fatos e fundamentos que aponta (inicial de fls. 02/23, com
procuração e documentos de fls. 24/132, e com aditamento de fls.
147/155), postulando declaração de nulidade do distrato, com
antecipação dos efeitos da tutela para efeito de sua reintegração ao
emprego, assegurados salários vencidos e vincendos, e demais
vantagens emergentes do liame, e bem assim condenação da
reclamada ao pagamento de diferenças salariais por acúmulo de
funções, restituição de descontos indevidos, indenização por dano
moral, e adicional de férias de norma coletiva, além de assistência
judiciária gratuita.
Na forma da r. decisão de fls. 139 e pelos fundamentos nela
alinhavados foi indeferida a antecipação dos efeitos da tutela. Foi
adiada a audiência de fls. 144 pelo motivo que consta de ata.
Resposta de SUPERGASBRAS ENERGIA LTDA de fls. 167/188,
com procuração e documentos de fls. 145, 160/166 e 189/351, onde
diz da prescrição parcial e refuta as alegações autorais, pugnando
pela improcedência do pedido.
Conciliação recusada.
Alçada arbitrada em R$ 25.000,00.
Adiada a audiência de fls. 159, a réplica veio às fls. 355/370 com
anexos de fls. 371/377; determinada a realização de prova pericial
médica às fls. 378, seguiram-se quesitos autorais de fls. 381/384,
quesitos da ré com indicação de assistente técnico de fls. 386/388 e
depósito garantidor de honorários periciais prévios de fls. 389. O
laudo pericial foi confeccionado às fls. 397/403 com anexos de fls.
404/412, a cujo respeito a reclamada se manifestou às fls. 417/421,
constando de fls. 422/425 parecer divergente de assistente técnico.
Incluído o feito em pauta (fls. 426), ao ensejo da assentada de fls.
432 foi determinado o sobrestamento do feito no aguardo de
providências de iniciativa do autor. Com a petição de fls. 433/435 o
reclamante juntou aos autos os documentos de fls. 436/444, a cujo
respeito a reclamada se manifestou às fls. 447/450; na assentada
de fls. 459 foi interrogado o reclamante, com o subsequente
encerramento da instrução processual, sob protestos das partes,
reiterando o reclamante requerimento de antecipação de tutela.
Foram remissivas aos elementos dos autos as razões finais orais
aduzidas pelas partes, que terminaram sem se conciliar.
É o relatório.
ISTO POSTO
1. PRESCRIÇÃO PARCIAL
Exceção de direito substancial que encerra, o pronunciamento
judicial de prescrição parcial pressupõe a perspectiva de êxito de
pretensão vestibular que envolva parcelas remotas de trato
sucessivo do pedido, algo que não se ajusta ao caso em voga, ao
que dou por prejudicado o exame da respectiva preliminar de
mérito.
2. PRETENSÕES VESTIBULARES
O reclamante, que por dezoito anos se vinculou à reclamada, nos
últimos dez anos alega ter acumulado as funções de motorista, de
ajudante de caminhão e de vendedor, sem perceber qualquer
acréscimo salarial, sofrendo descontos ilegais no salário, outrossim,
por inadimplementos ocasionais da clientela. Adicional de férias de
norma coletiva teria sido sonegado e, além disso, por excesso de
esforços físicos diz o reclamante que contraiu doença ocupacional,
disso dando ciência à reclamada, que optou por dispensá-lo do
emprego, no mês seguinte tenha logrado obter benefício
previdenciário de auxílio-doença. Estaria o distrato comprometido,
ademais, por estar o obreiro às portas da aposentadoria voluntária,
o que daria ensejo ao apregoado dano moral.
Em resposta a ré aduz que faltam ao reclamante sete anos de
contribuição para fazer jus à aposentadoria, notadamente por não
ter sido por ele demonstrado nos autos que pudesse fazer jus a
aposentadoria especial, tampouco admitindo que se inserisse o
obreiro no campo hipotético de incidência do art. 118 da Lei n°
8.213/91, por não ter estado jamais em gozo de benefício
previdenciário e por não haver notícia de evento acidentário a
envolvê-lo ou patologia de qualquer espécie de que seja ou tenha
sido portador. Nega a ré ofensa à esfera moral do reclamante,
acúmulo de funções por parte dele e mesmo descontos em suas
comissões por inadimplementos da clientela, de resto afirmando
que sempre adimpliu o adicional de férias previsto em instrumentos
coletivos da categoria, o que a leva a atribuir à parte adversa a
condição de litigante de má fé.
Pois bem.
O laudo pericial médico de fls. 397/403 com anexos de fls. 404/412,
de confiável lavra, atesta de relevante, em apertada síntese, que o
reclamante, que apresenta bom estado geral, se queixa de dores na
região lombar e no ombro direito aos esforços e mudanças de
tempo, ao exame físico demonstrando mobilidade articular do
ombro direito com redução em grau médio de abdução, de elevação
e de rotação interna, por relato de dor (fls. 398), força muscular com
redução em grau médio no membro superior direito e cicatrizes de
portais de artroscopia no ombro direito (fls. 399); admitido em 1993,
aos 25 anos de idade, o reclamante até abril de 2001 se ocupava do
enchimento de botijões de gás e carregamentos de carretas com
botijões vazios em plataforma, daí em diante até janeiro de 2006
tendo atuado como ajudante de produção em carga e descarga de
caminhões, depois disso se tornando motorista em entregas de
botijões (fls. 399); antes de se vincular à reclamada, por cinco anos
o reclamante foi ajudante de caminhão e, antes disso e por dois
anos, repositor em supermercado (fls. 399); em 2002 o reclamante
começou a apresentar dores na coluna lombar, procurando
assistência médica e fazendo uso de medicamentos, com indicação
de remanejamento para atividades de menor esforço físico e
utilização de cinta lombar (fls. 399), e; o reclamante se manteve em
suas atividades sem afastamentos do trabalho, tratando as dores de
coluna e ombros com medicamentos até ser dispensado do
emprego em agosto de 2011, quando se submeteu a cirurgia para
lesão labral do ombro direito, permanecendo em benefício
previdenciário de auxílio-doença de setembro de 2011 a março de
2012, atualmente estando desempregado (fls. 400). Aos quesitos
das partes o perito respondeu dizendo que o reclamante ao ser
desligado do emprego estava doente, com lesões no ombro direito,
em decorrência da atividade laborativa, padecendo de dor e
limitação em seus movimentos (fls. 401); as lesões apresentadas
pelo reclamante têm nexo de causalidade com sua atividade no
emprego junto à ré, com restrição para atividades com esforço físico
para os membros superiores (fls. 401/402); em suas funções junto à
reclamada o reclamante se submetia a peso e esforço físico (fls.
402), sem indicação de nova cirurgia, sendo de natureza
ocupacional a sua doença (fls. 402); as lesões dos ombros do
reclamante são de natureza traumática, sobrecarga com esforço
físico em movimentos dos ombros e degenerativa na coluna lombar
(fls. 403); as enfermidade no ombro do reclamante tem nexo causal
com todas as atividades por ele exercidas junto à reclamada, com
piora dessas lesões com a evolução e o passar do tempo, estando
incapacitado definitivamente para atividades com esforços físicos
para os membros superiores (fls. 403). Em sua conclusão de fls.
401 o perito é enfático ao atestar que as enfermidades nos ombros
do reclamante foram adquiridas a serviço da ré, com pleno nexo de
causalidade das lesões labrais e tendinosas com as atividades
exercidas na execução do contrato de trabalho.
Enfim, resta devidamente assentado nos autos que a doença de
que padece o reclamante é de caráter ocupacional e guarda nexo
de causalidade com as atribuições por ele desempenhadas junto à
ré. Ele foi, ademais, dispensado do emprego doente, sem se
encontrar apto para o trabalho, notadamente na função de sua
lotação.
O exame médico de fls. 192, que respaldou a dispensa do
reclamante, se revela írrito de efeitos, portanto, já que não reproduz
a real condição de saúde do obreiro ao tempo do distrato, conforme
exuberantes conclusões constantes do laudo pericial. Vê-se, desse
modo, que não logrou a ré cumprir o preceito do art. 168 da CLT, e
tampouco das normas regulamentadoras correlatas da NR-7,
subitens 7.4.1, 7.4.2 e 7.4.8, por haver deixado de submeter o
reclamante à adequada avaliação clínica, abrangendo anamnese
ocupacional e exames físico, mental e complementares, e por
deixar de encaminhá-lo à previdência oficial face à constatação de
alterações capazes de revelar disfunções de órgão ou sistema
biológico.
Não andou bem a ré, portanto, ao dispensar ao reclamante
tratamento pouco condizente com a sua frágil condição de saúde,
optando por se livrar dele ao primeiro sinal de agravamento das
suas condições de saúde.
A prova pericial médica constante dos autos atesta que a doença do
reclamante é ocupacional mas, ainda que assim não fosse, haveria
nulidade do distrato de iniciativa patronal pelo simples fato do
obreiro estar doente, a tal ponto de ter sido habilitado pela
previdência oficial no mês seguinte em benefício de auxílio-doença.
Cai como luva ao caso presente, portanto, a r. sentença da lavra da
eminente Juíza Sônia das Dores Dionísio, passada nos autos do
processo 0024100-07.2011.5.17.0011, verbis:
“O reclamante pretende sua reintegração no emprego ao argumento
de que, não obstante estivesse doente e incapacitado para o
trabalho no momento da dispensa, a ré dispensou-o e emitiu
atestado cujo conteúdo não retrataria seu real estado de saúde.
A primeira reclamada por sua vez, aduz que não haveria nulidade
porque o exame demissional o considerara apto e porque a alegada
doença não teria etiologia ocupacional.
Evidentemente que as reclamadas tomam Nuvem por Juno, porque
o autor não invoca doença ocupacional como fundamento da sua
pretensão, mas nulidade da dispensa, porque o resultado do exame
demissional não corresponderia com o seu estado de saúde, o que,
obviamente, geraria não apenas a sua nulidade, mas a própria
nulidade da resilição contratual.
Verifico, pois, que assiste razão ao reclamante, porque os
documentos que colacionou (fls. 12 e 15) comprovam que o mesmo
vinha apresentando problemas de saúde. E a ré tinha ciência de tal
fato, porque sequer negou a alegação do autor de “que o médico do
trabalho para o qual a primeira rda. encaminhou o rte. - CLAMEP,
encaminhou o rte. ao NEUROLOGISTA, antes da emissão de ASO
- Demissional” (penúltimo parágrafo de fl. 03), atraindo assim o
disposto no art. 302 do CPC, não tendo, inclusive, impugnado o
documento de fl. 15, que comprova tal alegação, pois, embora
tenha intitulado o item 2.2 de sua peça de defesa como “Da
Impugnação aos Documentos Juntados com a Petição Inicial”, nele
não houve impugnação alguma (fls. 46/47), pois se limitou a dizer
“que compete ao reclamante, nos termos do artigo 787 da CLT,
instruir a petição inicial com os documentos indispensáveis para
fundamentar a propositura da ação”.
Não obstante isto, dispensou seu empregado em 01.02.2011,
conforme aviso prévio de fl. 84.
Ora, se no dia 24.01.2011 o autor foi atendido por médico do
trabalho indicado pela própria ré, e foi por ele encaminhado a
neurocirurgião, conforme documento de fl. 15, por óbvio que o
exame demissional (fl. 76), o qual somente foi realizado em
09.02.2011, ou seja, após sua dispensa, e que o considerou apto ao
trabalho, não se revela verdadeiro, tampouco capaz de ratificar a
dispensa do empregado.
Trata-se, pois, e conforme confirmado pelo laudo de fl. 12, de
empregado que já estava doente tanto antes quanto no momento da
dispensa. Logo, mesmo a empresa ciente do real estado de saúde
de seu empregado, dispensou-o e depois o encaminhou ao médico
da segunda reclamada para que emitisse atestado inverídico.
Não obstante a lei brasileira outorgue ao empregador o exercício do
direito potestativo de resilir, esse direito, no entanto, não pode ser
exercitado com abuso.
Segundo Planiol, citado por Orlando Gomes, o uso abusivo de um
direito não é possível pela razão irrefutável de que um só e mesmo
ato não pode ser, ao mesmo tempo, conforme e contrário ao direito
(Introdução ao Direito Civil, ed. Saraiva, 9a ed., p. 115).
No caso em tela, a empresa abusou do seu direito, pois seu
departamento médico tinha ciência do estado de saúde do
empregado e não poderia tê-lo considerado apto à dispensa e muito
menos dispensá-lo. Deste modo, se o fez, só posso concluir que tal
dispensa se deu em caráter discriminatório, ou seja, pelo fato de o
autor se encontrar doente e deixado de lhe ser útil.
Nesse diapasão, e tendo em vista os fins sociais a que se destina
toda lei, cabe ao juiz procurar atingi-los, impedindo que o
empregador pratique tal segregação contra seu empregado.
Não é demais também lembrar que, embora à empresa seja
reservado o direito de obter lucro dos seus negócios, esses lucros,
no entanto, não excluem a sua função social de fomentar os níveis
de emprego, sobretudo quando se trata de empregado cujas
energias física e biológica não se encontram em sua plenitude.
Não se pode olvidar, ainda, que o ato da empresa impede, inclusive
e em última análise, que o empregado tenha acesso aos benefícios
da Previdência Social.
Neste contexto, e diante das premissas em que se assentam o
Estado Democrático de Direito e os seus valores republicanos,
dentre os quais está a dignidade da pessoa humana, impeço a
segregação feita pela ré, para reputar nesta esfera, a nulidade do
atestado de aptidão emitido pelo médico da empresa, bem como a
dispensa, nos termos desenhados pelo art. 9° da CLT e por
analogia, ao disposto no art. 373-A, II da CLT, porque, mutatis
mutandis, houve recusa da manutenção do emprego em
decorrência da condição pessoal traduzida pela precária saúde do
autor.
Por isto, e amparada no 9° da CLT e art. 187 do Código Civil,
reconheço a nulidade da dispensa.”
Desse modo, tendo por prejudicada a causa de pedir atinente ao
direito previsto em norma coletiva de “estabilidade pré-
aposentadoria”, de duvidosa pertinência, à luz dos elementos
carreados aos autos, que demonstram ainda não fazer jus o
reclamante à aposentadoria especial que alega lhe ser de direito,
julgo não obstante procedente o pleito reintegratório da inicial, para
condenar a reclamada ao integral restabelecimento do contrato de
trabalho, com efeitos ex tunc, fazendo jus o reclamante aos salários
e demais direitos emergentes do contrato pelo período de seu ilegal
afastamento do liame, cumprindo à ré cancelar a anotação de
dispensa do seu empregado.
Diante da circunstância de que a saúde e o próprio futuro do autor
estão em jogo, e tendo em vista a conclusão de que houve nulidade
da dispensa, e ainda de que o direito à Seguridade Social depende
da manutenção do vínculo de emprego, antecipo os efeitos da
presente sentença, nos termos preconizados nos arts. 5° da Lei de
Introdução ao Código Civil Brasileiro e 273 c/c 461 do CPC, para
condenar a reclamada a proceder ao imediato cancelamento da
dispensa na CTPS do reclamante, comunicar o fato à autoridade de
fiscalização do trabalho e ao INSS, e reintegrá-lo no emprego, no
prazo de 72 horas a contar da data em que for intimada do
conteúdo da presente sentença, independentemente de mandado
específico, sob pena de não o fazendo arcar com multa equivalente
a 1/30 do salário do autor, por cada dia de descumprimento. Para
tanto, caberá ao reclamante, no mesmo prazo e condições,
comparecer ao estabelecimento no horário em que prestava seus
serviços, sob pena de presumir-se renunciado o direito que lhe é
outorgado, salvo prova da impossibilidade de
(...)
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