Intimado(s)/Citado(s):
- FRANCISCO ALDISIO DA SILVA
- VULCABRAS AZALEIA - CE, CALCADOS E ARTIGOS
ESPORTIVOS S/A
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
Fundamentação
SENTENÇA
1. RELATO SUMÁRIO :
FRANCISCO ALDISIO DA SILVA ajuizou ação trabalhista em face
de VULCABRÁS AZALÉIA - CE CALCADOS E ARTIGOS
ESPORTIVOS S/A em sede da qual postula o pagamento de
indenização por danos sofridos em virtude de ter sido acometido de
doença de origem ocupacional decorrente de sequelas após
acidente de trabalho. Ao final, roga pelo pagamento dos honorários
advocatícios e pela concessão dos benefícios da justiça gratuita.
Com a inicial, vieram aos autos procuração e documentos.
Conciliação rejeitada.
A ré apresentou defesa escrita, acompanhada de procuração, atos
constitutivos, carta de preposição e demais documentos,
impugnando o valor atribuído à causa e onde basicamente afirma,
no mérito, que sempre adotou todas as medidas de segurança na
empresa, ressaltando, ainda, que não houve o acidente noticiado
pelo autor. Pugna pela improcedência dos pedidos autorais.
A perícia técnica realizada ficou a cargo do Dr. Anísio Silvestre
Pinheiro Santos Filho, que apresentou laudo pericial de ID.
Fba8746, não impugnado pelo autor.
Embora devidamente notificada, a parte autora injustificadamente
não compareceu à audiência de instrução, motivo pelo qual se lhe
aplicou a pena de confissão ficta, consoante Súmula 74 do TST,
tendo, outrossim, sido encerrada a sua prova, nos termos da lei.
Razões finais remissivas pela reclamada, ficando prejudicadas às
da parte reclamante, bem como a última proposta conciliatória.
Eis a síntese, como relatório.
FUNDAMENTAÇÃO :
2.1. Esclarecimentos iniciais:
2.1.1. Da intertemporalidade das normas de direito material. Da
inaplicabilidade de dispositivos de direito material da Lei n.°
13.467/2017 aos contratos de trabalho celebrados antes do
início da vigência desta lei:
Como é cediço, entrou em vigor, em 11/11/2017, a Lei n.°
13.467/2017, amplamente divulgada como a lei da Reforma
Trabalhista, que alterou diversos dispositivos da Consolidação das
Leis do Trabalho. Assim, cabe averiguar, à luz do direito
intertemporal, quais seriam os efeitos das alterações legislativas
vigentes sobre os contratos de trabalho celebrados antes da
vigência da nova lei.
Pois bem.
Dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)
que:
"Art. 6º. A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei
vigente ao tempo em que se efetuou."
O regramento ora reproduzido está em consonância com a norma
constitucional, que, mediante o artigo 5º, reza que:
"(...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada"
Analisando os dispositivos em espeque, resta claro que a Reforma
Trabalhista não tem o condão de afetar as situações jurídicas
constituídas anteriormente, por se tratarem de atos jurídicos
perfeitos. Tal ilação resulta do princípio da irretroatividade das
normas, que objetiva assegurar a certeza, a segurança e a
estabilidade do ordenamento jurídico-positivo, preservando as
situações consolidadas. É o que diz a teoria consagrada mediante o
brocardo latino "tempus regit actum", traduzida literalmente como o
tempo rege o ato, que dispõe que atos jurídicos se regem pela lei da
época em que ocorreram. Nessa matiz, colhe-se a profícua lição do
professor Carlos Roberto Gonçalves (in Direito Civil Brasileiro. São
Paulo; Saraiva, 2017.v.1, p.84), ao defender que "A Constituição
Federal de 1988 (art. 5º, XXXVI) e a Lei de Introdução ao Código
Civil (atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro),
afinados com a tendência contemporânea, adotaram, com efeito, o
princípio da irretroatividade das leis, como regra, e o da
retroatividade como exceção. Acolheu-se a teoria subjetiva de
Gabba, de completo respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito
adquirido e à coisa julgada. (...) Pode-se resumidamente dizer que o
sistema jurídico brasileiro contém as seguintes regras sobre essa
matéria: a) são de ordem constitucional os princípios da
irretroatividade da lei nova e do respeito ao direito adquirido; b)
esses dois princípios obrigam ao legislador e ao juiz; c) a regra, no
silêncio da lei, é a irretroatividade; d) pode haver retroatividade
expressa, desde que não atinja direito adquirido; e) a lei nova tem
efeito imediato, não se aplicando aos fatos anteriores." [sem grifos
no original]
Luciano Martinez (in Reforma Trabalhista - entenda o que mudou -
CLT Comparada e Comentada. São Paulo; Saraiva, 2017, p.15),
assevera, no mesmo sentido, que "os direitos previstos em lei
incorporam-se às cláusulas contratuais de emprego e, a partir de
então, passam a constituir um patrimônio jurídico, um verdadeiro
direito adquirido. (...) Ora, se houve a integração das normas leais
ao conteúdo do contrato de emprego, não há falar-se em sua
retirada pela simples revogação da lei que fora incorporada,
notadamente quando a situação for supressiva de vantagens. O
TST, aliás, teve oportunidade de manifestar-se sobre essa situação
e posicionou-se exatamente segundo a tese aqui expendida. Veja-
se, então, o entendimento adotado na sua Súmula 192, pós-edição
da Lei n. 12.740/2012." [grifos nossos]
Sendo assim, não há que se falar em aplicabilidade da Lei n.°
13.467/2017 aos aspectos de direito material do trabalho que estão
sendo objeto de análise nesta ação. Os institutos mencionados,
portanto, serão analisados à luz da legislação e entendimentos
jurisprudenciais e doutrinários anteriores à vigência da Lei n.°
13.467/2017.
2.1.2. Da intertemporalidade das normas de direito processual
trabalhista. Da inaplicabilidade imediata das normas de direito
processual trabalhista da Lei n.° 13.467/2017 às reclamações
trabalhistas ajuizadas antes da vigência da nova lei:
A presente ação foi ajuizada antes da vigência da Lei 13.467/2017.
Contudo, considerando-se a data do julgamento, faz-se mister que
sejam feitas algumas considerações a respeito da aplicação
intertemporal das regras processuais que modificaram a CLT.
A rigor, as modificações processadas nas leis processuais atingem
os processos em curso, podendo incidir sobre atos que vierem a ser
praticados na sua vigência, como explicita a regra do artigo 14, do
Código de Processo Civil, aplicado de forma subsidiária, que, no
entanto, preserva a integridade dos atos e situações consolidados
na lei anterior: "Art. 14. A norma processual não retroagirá e será
aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os
atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas
sob a vigência da norma revogada."
Em razão da dimensão de algumas modificações realizadas na lei
processual com o CPC/2015, seus artigos 1.046 e 1.047
estabeleceram regras de transição, a saber: "Art. 1.046. Ao entrar
em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos
processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de
janeiro de 1973. § 1o As disposições da Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973, relativas ao procedimento sumário e aos
procedimentos especiais que forem revogadas aplicar-se-ão às
ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste
Código. § 2o Permanecem em vigor as disposições especiais dos
procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará
supletivamente este Código. § 3o Os processos mencionados no
art. 1.218 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, cujo
procedimento ainda não tenha sido incorporado por lei submetem-
se ao procedimento comum previsto neste Código."
Nota-se, portanto, que a despeito de ser necessário considerar o
ato processual ainda pendente de cumprimento para fins de eficácia
da norma quanto à sua prática, existem peculiaridades que devem
ser observadas a fim de que não haja prejuízo aos litigantes, pela
submissão, em determinadas condições, de regras que não
existiam quando do ajuizamento da ação. Um dos exemplos
latentes disso extrai-se do art. 1.047, do CPC, que preserva o
regime de provas requeridas ou determinadas de ofício antes da
vigência do novo Código, pela sistemática anterior: "Art. 1.047. As
disposições de direito probatório adotadas neste Código aplicam-se
apenas às provas requeridas ou determinadas de ofício a partir da
data de início de sua vigência."
Cabe observar que a CLT já continha "disposições finais e
transitórias", naturalmente elaboradas no momento de sua vigência,
das quais se destaca o art. 915 que estabelece a inaplicabilidade do
regime recursal ali instituído ao recurso já interposto, de modo a
respeitar as situações processuais em andamento. O problema sob
exame já houvera sido tratado por ocasião da instituição do rito
sumaríssimo no processo do trabalho, pela Lei 9.957/00. Ao
examinar feitos nos quais haviam sido aplicadas as regras criadas
por essa lei - igualmente alteradoras da CLT -, o Tribunal Superior
do Trabalho se pronunciou, reiteradamente, no sentido da
inaplicabilidade da lei nova a ações propostas anteriormente, como
evidencia a ementa transcrita abaixo:
"RITO SUMARÍSSIMO. LEI Nº 9957/2000. AÇÃO AJUIZADA
ANTES DO ADVENTO DA LEI NOVA. APLICAÇÃO DO § 6º DO
ART. 896 DA CLT. DIREITO INTERTEMPORAL - A lei nova não
atinge situações processuais já constituídas ao abrigo do império da
lei antiga, sob pena de se ferir direitos processuais adquiridos. A
inovação introduzida pela Lei nº 9.957/2000, que alterou o
procedimento vigente, com a criação do rito sumaríssimo, somente
pode incidir sobre as ações propostas após a sua vigência, ou seja,
sessenta dias da publicação (artigo 2º). O que define a adoção do
procedimento sumaríssimo é a liquidez do pedido, acrescido do
valor inferior a quarenta vezes o salário mínimo vigente na data do
ajuizamento da reclamação trabalhista, dados mencionados na
petição inicial, que, por isso, define o momento processual para que
se estabeleça o procedimento a ser adotado. AGRAVO DE
INSTRUMENTO DO RECLAMANTE.PRELIMINAR DE NULIDADE
DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL.Não configurada violação dos artigos 5º, XXXV e
LV, 93, IX, da Carta Magna, 832, da CLT.INTEGRAÇÃO DA AJUDA
ALIMENTAÇÃO E CESTA ALIMENTAÇÃO -Não cabe Recurso de
Revista, para reexame de fatos e provas (Súmula nº 126 do
TST).HORAS EXTRAS -Os arestos são inespecíficos, vedado pelo
disposto na Súmula nº 296 do TST. Incidência da Súmula nº 126 do
TST. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.RECURSO
DE REVISTA DO RECLAMADO. NULIDADE DO ACÓRDÃO
REGIONAL POR MODIFICAÇÃO DO RITO PROCESSUAL -
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. NULIDADE DO
ACÓRDÃO REGIONAL POR MODIFICAÇÃO DO RITO
PROCESSUAL - A inovação introduzida pela Lei nº 9957/2000, que
alterou o procedimento vigente, com a criação do rito sumaríssimo,
somente pode incidir sobre as ações propostas após a sua vigência,
ou seja, a partir de 13/3/2000. PRELIMINAR DE NULIDADE DO
ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL -Não configurada violação dos artigos 93, IX, da
Carta Magna, 832, da CLT, 458, do CPC.CARGO DE
CONFIANÇA/HORAS EXTRAS -Não cabe Recurso de Revista para
reexame de fatos e provas (Súmula nº 126 do TST).CORREÇÃO
MONETÁRIA/ÉPOCA PRÓPRIA -Conhecido o Recurso por
divergência jurisprudencial e pelo disposto na O.J. nº 124 da
SDI/TST e para aplicar a correção monetária a partir do mês
subseqüente ao da prestação dos serviços." (TST - AIRR e RR:
2130006619995150102 213000-66.1999.5.15.0102, Relator: Carlos
Alberto Reis de Paula, Data de Julgamento: 11/12/2002, 3ª Turma,
Data de Publicação: DJ 07/02/2003)
Mais recentemente, ainda, o mesmo tribunal se pronunciou a
respeito do assunto, a partir da apreciação da possibilidade de
incidência de regras do CPC em sede recursal ao processo do
trabalho:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA
INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.
PRECEDÊNCIA DAS NORMAS DO CPC DE 1973 FRENTE AO
CPC DE 2015. INCIDÊNCIA DA REGRA DE DIREITO
INTERTEMPORAL SEGUNDO A QUAL TEMPUS REGIT ACTUM. I
- O agravo de instrumento foi interposto em 23/03/2016 contra
decisão que denegara seguimento a recurso de revista manejado
em face de acórdão proferido na sessão de julgamento ocorrida em
25/11/2015. II - Não obstante a vigência do novo Código de
Processo Civil tenha iniciado no dia 18/03/2016, conforme definido
pelo plenário do Superior Tribunal de Justiça, aplicam-se ao
presente feito as disposições contidas no CPC de 1973. III - É que
embora as normas processuais tenham aplicação imediata aos
processos pendentes, não têm efeito retroativo, por conta da regra
de direito intertemporal que as preside, segundo a qual tempus regit
actum. IV - Esse, a propósito, é o posicionamento consagrado no
artigo 14 do CPC de 2015 de que "a norma processual não
retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso,
respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas
consolidadas sob a vigência da norma revogada". V - Como a lei
processual superveniente deve respeitar os atos praticados sob o
domínio da lei revogada, a indagação que se põe, em sede recursal,
diz respeito ao marco a partir do qual se aplicará a lei revogada ou a
lei revogadora, propendendo a doutrina pela data da sessão em que
proferida a decisão objeto do apelo. Precedentes do STJ [...]".
(AIRR - 1760-90.2013.5.10.0012, Relator Desembargador
Convocado: Roberto Nobrega de Almeida Filho, Data de
Julgamento: 23/08/2017, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT
25/08/2017).
Trilhando o mesmo posicionamento, o Ministro Luiz Fux, na obra
Curso de Direito Processual (Forense), aduz que "a surpresa e o
prejuízo como critérios vedados na exegese da aplicação de novel
ordenação aos feitos pendentes impedem danosas interpretações",
sendo igualmente relevante sobrelevar a diretriz inserta no art.1º do
NCPC, ao estabelecer que "o processo civil será ordenado,